� rep�rter especial da Folha,
autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ci�ncia - Use com Cuidado' (Unicamp).
Escreve aos domingos
e �s segundas.
Acordo de Paris entra em vigor, mas brasileiros n�o est�o nem a�
Nesta quinta-feira (3), mais um temporal se abateu sobre S�o Paulo. A cidade entrou em estado de aten��o, o t�nel do Anhangaba� inundou, a rodovia Anchieta foi interditada por alagamento.
No fim de semana anterior, o litoral sul do Estado se viu castigado por uma ressaca incomum. Em Mongagu�, as ondas batiam na mureta da praia e subiam 3 metros; postes ca�ram, a cal�ada cedeu.
Em Santos, no s�bado (29), o mar invadiu a avenida Bartolomeu de Gusm�o, no Embar�. Na Ponta da Praia, ru�ram trechos da amurada na avenida Almirante Saldanha da Gama.
A ressaca foi causada por um ciclone extratropical, nome dado a grandes bancos de nuvens de chuva em forma de espiral com ventos na periferia muito mais fortes que no centro. No Rio de Janeiro, o ciclone produziu ondas de 4 metros, inundou barracas da orla e encheu de areia a avenida Delfim Moreira, no Leblon.
O ciclone tamb�m golpeou Santa Catarina com a habitual sequ�ncia de ventos, aguaceiros e ressaca. E isso depois de o litoral catarinense j� ter sofrido temporais devastadores nas duas semanas anteriores.
A meteorologia est� na boca do povo, mas sua liga��o com a mudan�a do clima provocada pelo homem, n�o. Boa parte da culpa por essa indiferen�a cabe a n�s, jornalistas, acomodados com a sabedoria convencional de que � imposs�vel atribuir eventos clim�ticos particulares ao aquecimento global.
Isso era o que diziam os pesquisadores do clima dez anos atr�s. Mas a ci�ncia n�o ficou parada e j� consegue, em muitos casos, estabelecer o nexo entre uma coisa e outra, no que se chama de "estudos de atribui��o". H� um bom resumo desses avan�os num boletim recente da OMS (Organiza��o Meteorol�gica Mundial).
Ali se aprende que esses estudos empregam dois tipos de simula��es de computador para a regi�o afetada, um que leva em conta s� fatores naturais e outro em que pesa tamb�m a influ�ncia humana sobre o clima. Comparando quanto as simula��es se aproximam ou divergem do ocorrido, d� para estimar a probabilidade de esses eventos extremos serem artefatos criados pelo homem.
Debru�ados sobre a onda de calor que matou 35 mil pessoas na Europa em 2003, pesquisadores conclu�ram que o aquecimento global pelo menos dobrou, e pode ter at� quadruplicado, o risco desse tipo de desastre. Outro trabalho considerou que a estiagem e as temperaturas recordes registradas na Austr�lia em 2013 seriam virtualmente imposs�veis sem a mudan�a clim�tica.
J� uma investiga��o sobre a seca no Sudeste brasileiro em 2014-15, que esvaziou o sistema Cantareira e for�ou o racionamento de �gua na Grande S�o Paulo, chegou � conclus�o de que o elo com as loucuras do clima � t�nue. Tudo indica que se trata mesmo de neglig�ncia na amplia��o do abastecimento para fazer frente ao crescimento populacional e � altera��o dos padr�es de consumo.
No geral, a ci�ncia da atribui��o tem mais facilidade para vincular ondas de calor em grandes �reas com o aquecimento global do que consegue fazer com as tempestades (como as que ora se abatem sobre o Sudeste). N�o ser� surpresa se a incr�vel sucess�o de cinco anos de seca no Nordeste, que reduziu a represa de Sobradinho ao volume morto, acabar atribu�da � mudan�a do clima, e n�o s� ao fen�meno El Ni�o.
De todo modo, � crucial explicar, para que as pessoas comecem a pensar mais seriamente sobre esse novo normal, o nexo entre o que estamos fazendo como o clima e os temporais. O mecanismo, afinal, � quase intuitivo.
Uma atmosfera mais quente ret�m mais vapor d'�gua. Mais evapora��o significa nuvens mais poderosas, que por sua vez originam tempestades muito mais caudalosas, mesmo que breves. Da� as enchentes. Ciclones tamb�m t�m muito a ver com a temperatura do mar, e o Atl�ntico Sul est� em aquecimento acentuado.
� como se as chamadas chuvas de ver�o se tornassem mais frequentes e passassem a cair tamb�m fora de �poca. Nada que os paulistas, os fluminenses e os catarinas j� n�o estejam sentindo na pele, h� anos, mas que por pura supersti��o preferem atribuir a S�o Pedro.
Na pr�xima segunda (7) come�a em Marrakech a 22� Confer�ncia Mundial do Clima (COP22), que vai debater meios de p�r em pr�tica a meta do Acordo de Paris de impedir que o aquecimento global ultrapasse 2�C (e de prefer�ncia fique em 1,5�C). Poucos brasileiros estar�o prestando aten��o, embora conhe�am de perto os eventos clim�ticos extremos cuja prolifera��o o tratado pretende evitar.
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