![luciana coelho](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/fotografia/2015/05/21/513505-115x150-1.jpeg)
� editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve �s sextas sobre s�ries de TV.
O que fazer com a obra de Louis C.K. ap�s as den�ncias de ass�dio?
Das acusa��es de estupro, agress�o sexual e ass�dio a artistas e produtores americanos nas �ltimas semanas, as mais doloridas para colegas, cr�ticos e f�s s�o aquelas voltadas ao humorista Louis C.K., autor de "Louie", "Horace and Pete" e "Better Things" (todas elogiadas entusiasticamente nesta coluna).
C.K., o cara que baixou as cal�as diante de colegas mulheres e as fez assistir a sess�es de masturba��o. O sujeito que passou anos negando o mesmo rumor e, s� quando as acusa��es explodiram no "New York Times", levando ao boicote de seu novo filme, admitiu o erro, disse n�o ter percebido o peso dos atos na �poca e prometeu tentar melhorar.
O impacto difuso das revela��es sobre o humorista n�o se deve ao fato de seu delito ser menor do que os do produtor Harvey Weinstein e do ator Kevin Spacey, embora o seja. Seu erro, enfatize-se, � injustific�vel sob qualquer perspectiva.
Nem a ele ser considerado por muitos um g�nio da cr�nica, talvez o melhor dramaturgo em atividade (ou nem tanto, dado o boicote).
Eric Leibowitz/FX | ||
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Comediante Louis C.K. em cena do seriado 'Louie' |
A quest�o dif�cil para cr�ticos e f�s —n�o para canais de TV, distribuidoras de filmes e outros que tenham dinheiro a perder no neg�cio— � que, diferentemente dos demais, sua obra calcada na mesquinharia e na melancolia das profundezas humanas � indissoci�vel de seu erro, porque, sempre soubemos, � ele mesmo a inspira��o de suas hist�rias.
N�o � um dilema de resposta clara.
Cortar a cabe�a do delinquente, exp�-la na pra�a e salgar o terreno onde vive ou, por outro lado, tratar o ocorrido como brincadeira tonta —e as rea��es como exagero da corre��o pol�tica— n�o � aceit�vel para quem conhece a obra de C.K.
A primeira a por sua decep��o em palavras foi Emily Nussbaum, cr�tica da revista "New Yorker": "Todos escreveremos sobre como os esc�ndalos mudam a forma de vermos a arte [desses indiv�duos], esta quest�o � para cr�ticos, f�s e fil�sofos".
"� uma quest�o particularmente pungente ao tratar de 'Louie', sitcom autoral em que o protagonista � explicitamente baseado em seu criador, e 'Horace and Pete'".
Nussbaum, dona de um pr�mio Pulitzer, acertou: as s�ries de C.K., reiteradamente, trataram de ass�dio sexual como banal, corriqueiro. Est� l�, em diversos epis�dios.
Jamais saberemos, por�m, se era a tentativa desamparada de mostrar como o mundo � sombrio, � la Nelson Rodrigues, ou a blindagem preventiva das consequ�ncias do que ele fazia fora da tela, nem t�o longe assim de c�meras e palcos.
E assistir �s s�ries de C.K. com essa d�vida pode ser ao mesmo tempo uma tortura e um exerc�cio prol�fico, sobretudo se nos perguntarmos at� onde compactuamos.
Porque por muitas vezes os roteiros de C.K. degradaram as mulheres, mas tamb�m por outras tantas as engrandeceram, e est� a� "Better Things", coescrito com a brilhante Pamela Adlon, para tirar a d�vida. (Adlon, ali�s, foi um raro sil�ncio, pedindo resguardo por estar 'chocada e devastada' com a revela��o.)
Sobretudo, muito do caso de C.K., um guru de grande s�quito, reflete o corporativismo do clube masculino da com�dia, onde mulheres s�o t�o raras atr�s do microfone e t�o frequentemente alvo das piadas.
Por isso tamb�m a defesa de sua obra, por ora expurgada de todas as telas, vir� sempre mais deles do que delas. "Se tratarmos dos desequil�brios na com�dia, esta arte que molda a forma de pensar das pessoas, as piadas que elas repetem para suas fam�lias e sua no��o de quem merece o microfone, outros desequil�brios poder�o se seguir", argumentou no mesmo "Times" a escritora feminista Lindy West.
Nesta Folha, dois colunistas fundamentais, H�lio Schwartsman e Jo�o Pereira Coutinho, lembraram que n�o devemos impregnar a obra dos crimes de seus autores, a menos que a obra represente, ela mesma, esses crimes (nenhum dos dois citou C.K.).
O melhor seria o humorista ser denunciado pelas cinco mulheres que o acusaram e responder pelo que fez � Justi�a. Seu crime, contudo, n�o acarreta pena rigorosa pela lei. Ainda assim, em nosso ju�zo sum�rio, sua obra foi desterrada, talvez por um longo, longo tempo.
Correm rios entre mulheres progressistas e homens liberais. Mas entre ostracismo e perd�o, entre os exames s�brios de Nussbaum, West, Coutinho e Schwartsman, a revis�o da obra de C.K., com lugar para questionamento e revolta, parece o caminho mais f�rtil para os f�s.
Esta coluna passar� a circular �s sextas-feiras na pr�xima semana.
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