Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
O �ltimo Ano � um ano de mudan�as?
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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No dia 24 de fevereiro de 2018, conforme o que foi anunciado, o presidente cubano, general Ra�l Castro -irm�o, companheiro e herdeiro pol�tico de Fidel-encerrar� suas fun��es como presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de Cuba. Ser� a primeira vez em seis d�cadas que a ilha n�o ter� em seu comando um membro da fam�lia Castro que tenha participado da luta insurrecional que levou � vit�ria revolucion�ria de 1959 e, dois anos depois, � declara��o do car�ter socialista do processo pol�tico cubano.
Desde que o pr�prio Ra�l anunciou que em 2018 vai terminar sua presen�a � frente das responsabilidades m�ximas do Estado e do governo, come�aram muitas especula��es sobre, primeiramente, os nomes e figuras que podem fazer parte da sucess�o e, em segundo lugar, a Cuba que Ra�l pode deixar e que poder� come�ar a ser vivida a partir desse momento. Ser� uma Cuba igual? Ser� muito diferente?
Entretanto, o fato de Ra�l Castro deixar de ser presidente n�o significa que ele n�o ser� mais o secret�rio geral do Partido Comunista de Cuba, o �nico partido legal no pa�s e que, na estrutura pol�tica cubana, � na realidade o �rg�o decis�rio m�ximo. O pr�ximo Congresso do Partido est� marcado para 2021, raz�o porque, a partir desse cargo elevado, o general -se continuar � frente do Partido-exercer� autoridade indiscutida na tomada das grandes decis�es previstas para o pa�s.
O ano de 2016 terminou com tr�s grandes fatores de como��o para os destinos da ilha: o desaparecimento f�sico de Fidel, que, embora distanciado do poder de fato, com toda certeza conservava grande influ�ncia sobre as diretrizes maiores. A chegada de Donald Trump � Presid�ncia dos Estados Unidos e a possibilidade sempre presente de uma revis�o ou at� revers�o do processo de normaliza��o das rela��es pol�ticas e econ�micas com os EUA, no qual ainda ficou como grande tema pendente a revoga��o ou flexibiliza��o do embargo que se esperava com uma poss�vel administra��o de Clinton (Hillary). E a not�cia de que o pa�s estava em recess�o econ�mica (crescimento do PIB de 0,9% negativos) e que, com esfor�o, conseguir� crescer 2% em 2017, uma porcentagem muito insuficiente para as necessidades de estabiliza��o econ�mica da ilha e, mais ainda, para uma melhoria do cotidiano complicado de seus cidad�os.
Um �ltimo ano de Ra�l Castro � frente do governo e do Estado pode ser um per�odo de intensas transforma��es que muitos consideram necess�rias. Ou pode ser uma margem de espera para deixar essas transforma��es nas m�os dos pr�ximos dirigentes m�ximos. Embora n�o se prevejam altera��es pol�ticas do sistema cubano, considera-se que � cada vez mais urgente ou mesmo imprescind�vel que haja modifica��es na estrutura econ�mica. Estas incluiriam, entre muitas outras, o processo prolongado e dif�cil de unifica��o monet�ria tantas vezes mencionado mas nunca posto em pr�tica, uma abertura efetiva e din�mica � invers�o estrangeira, reclamada pelo pr�prio Ra�l, um espa�o maior para as pequenas e m�dias empresas privadas e cooperativas, que, n�o apenas em Cuba, j� comprovaram sua capacidade de solu��o produtiva, salarial e de gera��o de empregos. Tudo isso faz parte das diversas �reas em que podem ser introduzidas transforma��es e que chegam at� a uma poss�vel reforma da Constitui��o para torn�-la mais condizente com as novas realidades e exig�ncias da sociedade.
J� se passaram dois meses desde a �ltima sess�o ordin�ria da Assembleia Nacional do Poder Popular (o Parlamento cubano) em que foi discutida mais uma vez a situa��o econ�mica tensa do pa�s. Hoje em dia, enquanto Trump parece ter deixado a quest�o cubana de lado por estar absorto em outros t�picos mais complexos e explosivos, em Cuba n�o parecem ter se movido visivelmente os meios para alcan�ar transforma��es poss�veis e at� anunciadas. Tirando as not�cias pontuais como a coopera��o japonesa na moderniza��o de alguns elementos da infraestrutura cubana ou o interesse de alguns investidores em chegar � ilha, ou em que se exportem mais tabaco ou rum, n�o se percebem mudan�as no interior da estrutura cubana, nem sequer foram ouvidas declara��es, fato que gera uma expectativa maior e faz pensar que a "moderniza��o do modelo econ�mico cubano" vai continuar em seu ritmo pausado, mesmo nas condi��es dif�ceis em que a economia nacional se debate.
Enquanto isso, para a popula��o cubana que n�o vive dos benef�cios gerados pelo aumento do turismo na ilha, as condi��es de vida continuam com a mesma tens�o e restri��es gerados por sal�rios insuficientes, em visto da alta cont�nua dos pre�os de produtos e servi�os (pre�os esses muitas vezes multiplicados nos �ltimos 27 anos, enquanto o sal�rio m�dio apenas dobrou), do desabastecimento dos mercados e das necessidades acumuladas em �reas t�o sens�veis quanto a habita��o.
Entrando no terceiro m�s de 2017, faltando menos de um ano para a mudan�a anunciada de altos dirigentes pol�ticos, os cubanos olham para o horizonte e esperam pelas decis�es governamentais que possam transformar um panorama de dificuldades cotidianas que nem todos podem aliviar com a pr�tica de alguma das atividades privadas permitidas pela lei, com viagens ao exterior na qualidade de "mulas" que retornam carregadas de mercadorias para alimentar o mercado negro, ou com o sonho, agora mais complicado, de emigrar. Apenas em um ano poderemos ver que pa�s Ra�l Castro vai deixar: se ser� uma Cuba um tanto diferente ou a mesma de hoje; uma Cuba onde as mentalidades tenham mudado de fato ou em que os movimentos e decis�es continuem vindo da superestrutura pol�tica, hoje com Ra�l, amanh� sem ele.
Tradu��o de Clara Allain
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