Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
O meio s�culo dos cem anos mais lidos da literatura latino-americana
Cinquenta anos mais tarde, diante de leitores cubanos e outros chegados de diversas comarcas do mundo, tive a oportunidade de festejar o meio s�culo de exist�ncia do romance mais influente, lido, estudado e admirado da literatura latino-americana de todos os tempos, "Cem Anos de Solid�o" (1967), e, de passagem, ou sobretudo, as nove d�cadas do nascimento de seu autor, o colombiano Gabriel Garc�a M�rquez (1927), ambas datas a serem celebradas no ano atual.
A divis�o mexicana do grupo editorial Planeta foi a encarregada de preparar a homenagem –talvez a primeira das muitas que ser�o feitas este ano–, realizada em duas sess�es, como parte das atividades da rec�m-conclu�da Feira Internacional do Livro de Havana.
Em ambos os casos, como romancista cubano, coube a mim ser algo como o anfitri�o de estudiosos, diplomatas e editores que, partindo de suas perspectivas e experi�ncias particulares, falaram das diversas facetas do escritor: como colombiano da costa caribenha, como pessoa que se tornou personagem gra�as � sua obra e sua fama, como jornalista e, obviamente, como autor de "Cem Anos de Solid�o", seu romance imensur�vel, a obra que sem d�vida alguma e com toda justi�a o levou a Estocolmo em 1982 para ali receber o Pr�mio Nobel de Literatura.
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Se alguma coisa foi constatada como s�ntese dos diversos olhares sobre a personalidade, o pertencimento cultural e o empenho liter�rio e jornal�stico de Gabo foi o fato magn�fico e ao mesmo tempo dram�tico de revelar como todos os atos cotidianos e criativos de sua exist�ncia estavam predestinados a confluir na cria��o de "Cem Anos de Solid�o" ou foram determinados pela publica��o e o sucesso avassalador de um romance em que muitos enxergaram a melhor das s�nteses da hist�ria de um continente marcado pelos traumas da coloniza��o, as lutas fratricidas, a viol�ncia, a dimens�o m�gica e hiperb�lica pr�pria de sua consci�ncia coletiva e a sobreviv�ncia cotidiana da poesia como express�o mais justa da vida.
A meu ver, o grande m�rito liter�rio e cultural desse romance exemplar foi ter satisfeito explosivamente a exig�ncia feita � literatura por Miguel de Unamuno um s�culo atr�s: essa capacidade de "encontrar o universal nas entranhas do local e, no circunscrito e limitado, o eterno".
Porque a hist�ria da vila perdida de Macondo, em um canto long�nquo do Caribe colombiano, fundada e apagada da face da Terra nas p�ginas do livro, alcan�a o m�rito de, partindo do cen�rio mais local e extraordin�rio poss�vel e por meio da hist�ria de uma fam�lia peculiar, expressar toda uma vis�o de mundo, da hist�ria e da condi��o humana com uma perspectiva de um car�ter t�o universal que sua imagem fala de todo um pa�s, de um continente, e o faz para todo o mundo.
Entretanto o extraordin�rio desse exerc�cio foi que a origem de cada uma das perip�cias e os contextos em que a f�bula se desenrola n�o � obra da imagina��o exuberante do autor, mas de sua extraordin�ria capacidade de observador e tradutor de uma realidade em que outros colombianos como ele viveram.
Um mundo em que tudo era (e �) poss�vel e no qual, como dissera Alejo Carpentier referindo-se � realidade de toda a Am�rica, "o ins�lito � cotidiano, sempre foi cotidiano".
Foi esse car�ter universal e permanente da obra de Garc�a M�rquez, a contundente beleza com que ele revelou as peculiaridades de um mundo real e alucinado, que levou a not�cia de sua morte (da qual em breve ter�o se passado tr�s anos) a provocar um estremecimento semelhante ao que se seguiu � not�cia do assassinato de John Lennon pelas m�os de um fan�tico, sobre a qual o pr�prio Garc�a M�rquez escreveu, destacando como era encorajadora a como��o gerada no mundo pelo desaparecimento de um homem que n�o tinha exercido o poder nem comandado ex�rcitos, mas apenas se dedicado a cantar o amor e criar beleza.
Quando Gabo morreu, como recordou um de meus colegas da homenagem em Havana, um certo toque de recolher foi decretado nas primeiras p�ginas dos jornais do mundo e, por um dia, as not�cias sobre guerras, atentados, golpes de Estado e persegui��es policiais, �tnicas e pol�ticas deixaram de dominar.
O melhor espa�o, o espa�o merecido, foi reservado � cobertura do desaparecimento f�sico de um homem que dedicou a vida � cria��o de beleza, desde sua pequena Macondo, teclando dia a dia em busca do melhor adjetivo, trabalhando para uma eternidade na qual, como acaba de acontecer em Havana, algumas pessoas possam se reunir e prestar uma homenagem em locais decorados apenas com as borboletas amarelas que voaram de seus romances em dire��o �s nossas sensibilidades e gratid�es de leitores, de latino-americanos, de habitantes da Terra.
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