Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Col�mbia em paz � e com perd�o?
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Renata Borges 11 Fev.2017 |
Cartagena das �ndias, na costa do mar do Caribe, anuncia-se com orgulho como a cidade mais bela da Col�mbia. Al�m disso, a antiga cidade colonial, com suas fortalezas rochosas, seu recinto amuralhado, suas casas coloridas com sacadas, com insuspeitados e apraz�veis p�tios interiores, � povoada por uma gente que � fruto de muitas misturas �tnicas e de um clima c�lido –belos homens e mulheres que derramam imagina��o e alegria.
Essa arquitetura e essas pessoas formam a fisionomia de uma cidade que, para sua sorte, foi um dos territ�rios colombianos que menos sofreram os efeitos das longas d�cadas da mais recente guerra civil vivida no pa�s. Talvez sua geografia tenha sido sua salva��o. Ou, quem sabe, o car�ter mais leve e aberto de seus habitantes.
Por que Cartagena n�o viveu diretamente os conflitos de quase todos contra todos, isso n�o significa que a cidade tenha ficado livre de alguns dos efeitos l�gicos do conflito militar, entre eles o medo e a viol�ncia que tomaram conta de todo o pa�s.
Acabo de visitar Cartagena, outra vez como escritor convidado ao cada vez mais disputado e bem-sucedido Hay Festival, promovido ali h� v�rios anos. E, � claro, � a primeira vez que estou na cidade desde a assinatura dos acordos de paz entre a for�a guerrilheira mais encarni�ada e o governo de Juan Manuel Santos.
Esse pacto, que pretende p�r fim aos enfrentamentos militares que sangraram o pa�s, passou pelos mais diversos momentos em seu longo processo de estabelecimento, incluindo um referendo nacional no qual, quando todos esperavam o oposto, foi derrotado nas urnas, devendo agora ser reformulado pelas partes.
Apesar de a assinatura do acordo de paz ter sido retardada por manobras pol�ticas esp�rias de interesses partid�rios e revanchistas, o que muitos n�o pudemos ver � que, para uma infinidade de pessoas, a op��o do perd�o � dif�cil de aceitar.
E algumas pessoas, v�timas diretas ou indiretas da guerra, at� t�m raz�o (ou muitas raz�es) para duvidar da boa-f� do pacto de paz, que implica necessariamente o fechamento de muitas feridas abertas.
Passei uma de minhas noites em Cartagena com um grupo de aficionados da leitura. A noitada se prolongou e, no melhor estilo caribenho, saiu dos trilhos; falamos do humano e do divino, at� que me ocorreu comentar algo que, para mim, era (�) uma evid�ncia indiscut�vel: gra�as � paz, os colombianos v�o viver melhor. A paz � sempre melhor que a guerra.
Contudo, as rea��es dos participantes da palestra liter�ria que eu ministrava voltaram a me mostrar que nada pode ser lido de uma s� maneira e que opinar sobre outras realidades que n�o vivemos nos faz incorrer no risco tremendo de cometer um equ�voco, por desconhecimento das nuances da situa��o.
Porque v�rias das pessoas que assistiam ao encontro, gente de bem, leitores cultos, am�veis, generosos, rebateram minha suposi��o e argumentaram que todo aquele processo de paz era na realidade uma vergonha e at� uma trai��o � mem�ria e �s vidas dos afetados pelos anos de combates e matan�as.
E elas me recordaram que o perd�o n�o pode supor o esquecimento e tamb�m que h� homens e hist�rias que n�o merecem o perd�o.
Um deles justificou sua postura contr�ria aos acordos de paz esgrimindo um argumento doloroso: como perdoar pessoas que, por ideologia, foram capazes de fazer todo o pa�s sofrer viol�ncia e de submeter todos seus cidad�os ao medo?
Porque, ele disse, todos os colombianos padeceram com os choques da viol�ncia e passaram suas vidas mergulhados no sentimento do medo. E n�o tive outra sa�da sen�o lhe dar a raz�o, sua raz�o.
Outro dos presentes, em contrapartida, apontou para uma evid�ncia inquietante: os jornais de televis�o v�m dedicando grande espa�o ao notici�rio policial e criminoso, mas j� n�o comentam mortes devidas � viol�ncia pol�tica. Ningu�m mais morre na Col�mbia como v�tima de guerra.
Ningu�m pode pedir ao ofendido que ofere�a seu perd�o. Alguns podem conced�-lo, outros, n�o. Mas n�o acredito que ningu�m, mesmo depois de ter vivido um trauma hist�rico como o colombiano, possa criticar um processo que teve como primeiro saldo positivo a dram�tica diminui��o das mortes violentas... E que libertou as pessoas da dolorosa opress�o do medo. Moral da hist�ria: a paz � sempre melhor que a guerra, mesmo que haja feridas que ainda sangrem e causem dor.
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