Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Por que escrevo romances noir?
Quando um jornalista me pergunta qual ser� o futuro de Cuba ou quanto Cuba vai mudar nos pr�ximos anos, ou, na vers�o mais recente, como ser� Cuba sem Fidel, lamento o estado de calamidade de um jornalismo (ou ser� o de apenas alguns jornalistas?) que toma os escritores por adivinhos e procura resolver sua miss�o do modo mais pedestre.
O curioso � que perguntas desse tipo se repetem com frequ�ncia alarmante nas muitas entrevistas que dou por ano, h� v�rios anos, e, embora a realidade cubana tenha demonstrado seus altos graus de previsibilidade e imprevisibilidade (tudo ao mesmo tempo) e eu, minha incapacidade de vislumbrar o futuro, a persist�ncia da interroga��o demonstra que para esses jornalistas importa mais o que um escritor possa especular do que o que escreve.
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
Por isso chego a me sentir feliz e realizado quando um jornalista me pergunta por que escrevo romances noir. Algo t�o simples e preciso, mas t�o fundamentado em uma evid�ncia –oito romances– e em uma singularidade –que apenas eu posso explicar por que escrevo de uma forma e n�o de outra, um assunto e n�o outro.
O romance noir, ou policial, ou detetivesco, � h� d�cadas um g�nero ou tipo de literatura considerado popular e menor. Cultura de massas. Nas �ltimas d�cadas, por�m, at� a academia mais ran�osa e elitista vem sendo obrigada a aceitar sua pertin�ncia e tamb�m a reconhecer sua qualidade art�stica. E n�o precisamente porque as academias sejam compreensivas e abertas, mas porque o romance noir ganhou um espa�o liter�rio e social no �mbito da cultura (e n�o apenas da de massas) da p�s-modernidade.
Obras de grande valor est�tico e de aguda reflex�o sobre uma realidade, criadas por autores de nomes adornados com prest�gio, pr�mios, sensibilidade liter�ria e social contribu�ram para a concretiza��o desse processo. Umberto Eco e Leonardo Sciascia, na It�lia; Rubem Fonseca, no Brasil; Manuel V�zquez Montalb�n, na Espanha; Henning Mankell, na Su�cia, Benjamin Black, na Irlanda, fazem parte de uma lista cada vez mais longa e poderosa de escritores que conquistaram todo ou parte de seu reconhecimento escrevendo romances policiais (ou quase policiais) e conferiram ao g�nero qualidade liter�ria, capacidade de penetra��o social e, com isso, respeitabilidade art�stica e cultural.
Para a maioria desses autores, o impulso que os levou a escrever romances policiais parte de duas condi��es: a grande capacidade que possui esse g�nero de romance de expressar os mais diversos e obscuros conflitos de uma sociedade, e sua generosidade est�tica como forma de express�o aberta a todas as experimenta��es e todos os aprofundamentos liter�rios poss�veis.
O resultado de tais qualidades tem sido que, ao lado de uma novel�stica policial que continua apegada aos recursos f�ceis da cria��o de um mist�rio atraente, foi se criando um corpo liter�rio s�lido e cada vez mais prestigioso, que participa ativa e �s vezes decisivamente da cria��o de uma imagem pr�xima a das sociedades em que vivemos.
A recorr�ncia a assuntos t�o complexos e poliss�micos como a corrup��o, o medo, a viol�ncia, o tr�fico de drogas e pessoas, o crime organizado, a degrada��o da pol�tica (e dos pol�ticos) e o jogo de influ�ncias, a prostitui��o e o proxenetismo, o com�rcio de armas, o crime de Estado e a marginalidade, entre outras realidades de peso crescente no mundo contempor�neo, vem permitindo ao romance policial n�o apenas participar do jogo social e alcan�ar qualidade liter�ria, sen�o, tamb�m e sobretudo, converter-se em um dos recursos mais �geis e eficazes para refletir a decad�ncia de um mundo ou, pelo menos, suas dores mais agudas.
Por isso, quando me colocam na fun��o de or�culo e me perguntam como ser� Cuba no futuro, sempre respondo que n�o sei. Apenas presumo que ser� algo diferente do que � hoje, pela simples quest�o de acreditar na dial�tica, no desenvolvimento, na evolu��o. Em contrapartida, quando me pressionam para falar de minha prefer�ncia pelo romance noir, lan�o m�o de todos os argumentos acima anotados e acrescento mais um: porque gosto de contar hist�rias que tenham princ�pio e fim, em que aconte�am coisas capazes de interessar ao leitor e nas quais, diante de tanta falta de justi�a e verdade nas sociedades contempor�neas, haja um pouco de senso de justi�a, algo que sempre � reconfortante.
Por isso escrevo romances policiais... e com certeza por isso, voc�, leitor, tamb�m l� romances policiais, inclusive nestes dias de festas com que encerramos um ano dram�tico e nos aproximamos de outro que pode ser terr�vel... Se bem que eu ainda n�o saiba como nem quanto!
Tradu��o de CLARA ALLAIN
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