Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Elei��o de Trump encontra rela��es com Cuba entre avan�os e retrocessos
Por volta de 17 de dezembro de 2014, quando os presidentes dos Estados Unidos e de Cuba, Barack Obama e Ra�l Castro, anunciaram ao mundo que os dois �ltimos participantes no hist�rico conflito da Guerra Fria estavam iniciando um processo de conversa��es com o objetivo de restabelecer as rela��es diplom�ticas entre os dois pa�ses, escrevi que muitos cubanos sentimos como se estiv�ssemos despertando de um pesadelo prolongado.
Para muitos de n�s pareceu inacredit�vel podermos escapar de um sonho ruim de mais de meio s�culo de dura��o, que marcara nossa rela��o nacional, espiritual, familiar e pessoal com os Estados Unidos e entre n�s.
E, embora em outras ocasi�es eu tenha me equivocado em minhas previs�es para o futuro, neste caso acertei no essencial: desde ent�o come�amos a viver uma esp�cie de sesta, sem d�vida mais tranquila, embora n�o isenta de sobressaltos e limita��es –uma letargia da qual � poss�vel e tem�vel que saiamos em pouco tempo para cair em outra etapa do pesadelo persistente... que ent�o parecer� o estado normal que o destino hist�rico e geogr�fico nos reservou.
Renata Borges/Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Muito, demais –se bem que com raz�es de sobra– foi escrito nas duas �ltimas semanas sobre o que a vit�ria eleitoral de Donald Trump pode significar para os Estados Unidos e para o mundo. H� pouco de novo que eu possa acrescentar, e por isso vou comentar apenas as implica��es que ela pode ter para o futuro de Cuba.
Como � bem sabido, h� algo mais de um ano Washington e Havana restabeleceram suas rela��es diplom�ticas, e, no in�cio de 2016, Barack Obama fez uma visita � ilha.
Mas h� apenas um m�s, durante a vota��o nas Na��es Unidas sobre o pedido cubano de levantamento do embargo americano que pesa sobre a ilha desde 1962, pela primeira vez a delega��o de Washington se absteve de votar.
Com esse gesto, hist�rico e in�dito, a administra��o de Obama chegou ao limite de suas possibilidades legais com rela��o a esse tema espinhoso, pois a revoga��o do embargo ou bloqueio, convertido em lei, cabe ao Congresso do pa�s do Norte, um Congresso que h� oito anos vem obstruindo na medida do poss�vel muitas iniciativas do presidente.
N�o seria demais recordar que alguns dias antes dessa vota��o, com o an�ncio de um novo pacote de medidas destinadas a aprofundar sua pol�tica em rela��o a Cuba, Obama havia procurado abrir novas fendas na estrutura do embargo –medidas na realidade insuficientes, em vista da persist�ncia do mal maior (o pr�prio embargo), se bem que reafirmassem sua vontade de aproxima��o.
Mas esse pacote de medidas foi recebido em Cuba de forma amb�gua: considerado insuficiente e at� visto como inger�ncia por parte das vozes oficiais, foi qualificado como importante por outros setores pol�ticos de Havana, em especial os que tinham conduzido o processo de conversa��es e o restabelecimento de rela��es com os Estados Unidos.
A elei��o de Trump para a Casa Branca encontra as novas rela��es bilaterais com Cuba j� nesse estado de avan�os e retrocessos e deixa o panorama pronto para as poss�veis rea��es do presidente eleito.
Diante de um personagem t�o contradit�rio, qualquer tentativa de racionaliza��o ou previs�o corre risco de equivocar-se. Mesmo assim, enxergo tr�s varia��es poss�veis entre as quais o futuro das rela��es entre os dois pa�ses pode se movimentar.
Um Trump fundamentalista, talvez aconselhado pelo lobby pol�tico cubano-americano que vem se opondo �s decis�es de Obama, poderia fazer retroceder os avan�os j� conquistados, ou pelo menos congel�-los no estado atual e n�o propiciar novas aproxima��es, n�o apenas pol�ticas, mas mesmo comerciais, migrat�rias, esportivas, acad�micas ou pr�ticas.
Em um pa�s como Cuba, que poderia se beneficiar de uma rela��o mais fluida com os EUA, esse panorama seria traum�tico para a popula��o e para o governo da ilha, que de algum modo deve haver contado com um horizonte de la�os mais din�micos, capazes de ajud�-lo a resolver alguns de seus muitos problemas econ�micos e infraestruturais.
Uma segunda varia��o, menos realista, mas n�o imposs�vel, consistiria em fazer o estado das rela��es entre os dois pa�ses retroceder para a era pr�-Obama, novamente colocando o pesadelo em seu n�vel pior: o da hostilidade aberta.
Enquanto isso, n�o deixa de ser poss�vel um terceiro cen�rio, no qual o Trump pragm�tico conven�a o fundamentalista e seja capaz de ouvir as demandas dos produtores e investidores interessados em aproximar-se de Havana e fazer neg�cios. Esse Trump poderia flexibilizar outras restri��es comerciais e financeiras contempladas pelo embargo e mesmo trabalhar por sua revoga��o e tentar abrir as portas da ilha ao invasivo mercado norte-americano.
Com essas expectativas, poderemos assistir de Cuba � ascens�o de Trump ao trono pol�tico americano. Voltaremos ou n�o ao pesadelo? Em se tratando de Trump, tudo pode acontecer –ou pode n�o acontecer nada, o que tampouco sabemos se ser� melhor ou pior. A pergunta paira sobre o tempestuoso estreito da Fl�rida.
Tradu��o de CLARA ALLAIN
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