Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Pergunta ao povo colombiano: 'Voc�s querem viver em paz ou n�o?"
Dentro de alguns dias o povo colombiano ser� consultado sobre a pergunta mais importante e, ao mesmo tempo, incr�vel: "Voc�s querem viver em paz ou n�o?"
Formulada dessa maneira, a pergunta pode soar absurda, definitivamente rid�cula. Por acaso algu�m n�o quer viver em paz? Mas, se for vista no contexto daquela que h� mais de meio s�culo vem sendo a hist�ria desse pa�s sul-americano, aparece algum sentido na pergunta, pois na realidade o que vai ser submetido a referendo nacional ser� em ess�ncia a mesma coisa (paz ou n�o?), mas com uma nuance importante: os colombianos querem viver em paz dentro das condi��es dos acordos firmados em Havana entre o governo e a guerrilha das Farc, ou consideram inaceit�veis os termos gerais ou particulares desse pacto que � simplesmente um marco hist�rico?
Um processo social, militar e pol�tico como o vivido na Col�mbia evidentemente implica a exist�ncia de muitas feridas, demais. E algumas dessas quest�es s�o t�o profundas que n�o podem ser esquecidas (as cicatrizes est�o � vista), e � justo, imprescind�vel, que n�o o sejam. Nem de um lado nem de outro dos grupos em disputa. Dentro dessa trama, por�m, tamb�m s�o infinitos os matizes que muitas vezes escapam das an�lises globais e que possuem seu peso espec�fico nas perspectivas de muitos colombianos.
Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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S�o incont�veis as hist�rias regionais, familiares e pessoais dos efeitos deixados pela guerra e a viol�ncia sobre um n�mero enorme de cidad�os desse pa�s. Crimes de toda esp�cie cometidos de um e outro lado do campo de batalha, matan�as de civis, sequestros, deslocamentos humanos de povoados inteiros, fam�lias dilaceradas, al�m da cria��o do espa�o prop�cio ao florescimento do neg�cio do narcotr�fico com todas suas sequelas, tamb�m violentas e deformantes –essas s�o algumas das consequ�ncias sofridas e das realidades vividas nestas �ltimas d�cadas pelos nascidos nesse pa�s.
A Col�mbia de hoje � um pa�s traumatizado, e isso � resultado da guerra. Mas, pode haver uma Col�mbia futura, diferente, capaz de lamber suas feridas e erguer os olhos como resultado do retorno da paz? Creio que � justamente isso o que est� em jogo agora: o futuro, n�o o passado. E todos os colombianos sabem disso, inclusive os que, pelos motivos que forem, pensam que uma paz como a que se pretende referendar seria inaceit�vel e que v�o votar contra sua instrumentaliza��o.
Entretanto, mais que raz�es de princ�pio (ou de final), penso que, como costuma ocorrer em processos dessa dimens�o, em torno dos acordos de paz firmados em Havana se fez presente um jogo pol�tico que pode parecer simplificado ou mascarado por posi��es tradicionais de esquerda e direita, mas que, na realidade, � fundamentado por dois modelos poss�veis de paz, modelos que erguem a paz como foi concebida como escudo ou a nega��o dela como espada para conservar o mesmo estado de coisas –at� que ocorra um milagre.
O caminho percorrido nos anos de negocia��es realizadas em Havana entre os representantes do governo e da guerrilha tem sido t�o dif�cil como o � qualquer reconstru��o social quase perpetuada pela hist�ria. Os dois lados tiveram que ceder, aceitar, propor para passar por cima de meio s�culo de ofensas e dor e chegar a um ponto essencial de coincid�ncia: o melhor futuro para o pa�s.
Tive recentemente a sorte de estar em Col�mbia em duas ocasi�es e, em cada uma dessas estadias, realizei minha pesquisa particular. Ouvi respostas e escutei argumentos diversos de pessoas das mais diferentes classes sociais e milit�ncias pol�ticas. Mas, por sorte, a op��o que os colombianos v�o escolher, ao que tudo indica, � viver em paz.
Essa op��o pela concilia��o em um mundo onde primam a agress�o e a vingan�a, onde os partidos pol�ticos das mais diversas tend�ncias perdem credibilidade, onde o terrorismo e a viol�ncia se disseminam como uma praga maligna –nesse mundo a aceita��o da paz pode ser a resposta mais exemplar de um pa�s e de cidad�os que decidem deixar o passado de lado, revisar e analis�-lo, mas, sobretudo, super�-lo, para projetar um futuro melhor com a maioria dos colombianos. Creio que essa maioria o merece.
Tradu��o de CLARA ALLAIN
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