Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
O direito � privacidade � um bem de grande valor
Um dos valores da sociedade moderna � –ou deveria ser– o respeito pelo �mbito privado do indiv�duo. Os interesses pessoais de cada um, sua forma de entender diversos aspectos da realidade e da exist�ncia, seus gostos e fobias individuais eram vistos como pertences arcanos que o contrato social deveria proteger, desde que essas prefer�ncias pessoais n�o se mostrassem lesivas ao restante dos cidad�os.
Em um pa�s como Cuba, onde passei toda minha vida, os limites da vida privada muitas vezes foram permeados, por raz�es culturais –a tend�ncia greg�ria do cubano– e at� por decis�es pol�ticas que inclu�ram desde a vota��o p�blica com o bra�o erguido at� a intromiss�o nas prefer�ncias sexuais, as cren�as religiosas, as opini�es pol�ticas pessoais do indiv�duo e que, submetidas a julgamento, podiam decidir, por exemplo, o destino profissional ou estudantil de um cidad�o. A chamada "verifica��o", que poderia ser realizada a partir das opini�es de um vizinho, tinha o poder de expor assuntos estritamente privados de uma pessoa que eram levados a p�blico e influ�am sobre o destino dos indiv�duos, quando n�o eram considerados "apropriados" ou "admiss�veis" segundo determinados c�digos, entre os quais n�o figurava, � claro, o C�digo Penal nem qualquer outro escrito e referendado.
Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Essa experi�ncia me tem levado a ser defensor decidido dos assuntos e espa�os privados do cidad�o. Apesar de meu of�cio, que me obriga constantemente a me expor em p�blico, a expressar ideias e opini�es, a ser entrevistado e criticado, tenho lutado para defender minha privacidade at� onde tem sido poss�vel.
Not�cias como a das escutas telef�nicas realizadas por �rg�os de intelig�ncia contra pol�ticos de outros pa�ses ou partidos ou contra simples cidad�os, o hacking de computadores, a espionagem de e-mails –que todos sabemos que podem ser revistos por outros– me parecem especialmente lesivos daquele que considero ser um direito inalien�vel do cidad�o.
Todos esses conceitos e realidades me deixam ainda mais empenhado em procurar preservar minha privacidade. Por isso, apesar de ser escritor e jornalista, nunca tive p�gina na internet, a p�gina de Facebook que aparece com meu nome na rede � ap�crifa, e jamais mexi em uma conta no Twitter. Sou estritamente pr�-inform�tico nesses sentidos. Sou um bicho raro, um anacr�nico.
Assim, minha condi��o me faz reagir visceralmente quando fico sabendo como hoje as pessoas volunt�ria e festivamente divulgam coisas que algu�m como eu considera privadas.
Pouco tempo atr�s, gra�as a uma amiga, pude ver a p�gina no Facebook de um antigo colega da universidade com quem eu tinha perdido contato. Pude ver e ler, com assombro, como ele relatava cada acontecimento corrente de sua vida –encontros, visitas, experi�ncias–, como narrava parte de sua hist�ria familiar e at� revelava detalhes de sua vida sentimental e sexual! Na realidade, bi e homossexual (se a conjun��o � poss�vel). Que mecanismos podem levar um homem de 60 anos a participar dessa demoli��o do privado? Por que um encontro com uma pessoa determinada precisa adquirir o car�ter de not�cia?
Sei perfeitamente que hoje as redes sociais s�o um espa�o privilegiado para a transmiss�o de informa��o, para as rela��es interpessoais, para a busca por cumplicidades. Sei que muitos jovens e adolescentes cresceram e vivem dentro dessa rede de exibicionismo que os atrai como uma droga. Sei, tamb�m, como alguns utilizam esses meios para denegrir, espionar e atacar a outros, escondendo-se atr�s de covardes anonimatos e pseud�nimos. J� li como toda essa informa��o que alguns oferecem alegremente � utilizada para criar seus perfis que n�o s�o precisamente os do Facebook, mas, sim, alguns mais tenebrosos e dominantes.
O que � normal, eu me pergunto: ter um perfil de Facebook ou uma conta no Twitter, ou a decis�o de n�o t�-la? Quem � mais soci�vel e moderno, meu ex-companheiro de estudos ou eu? A verdade � que a estas alturas, n�o sei. O que creio que continuo a saber � que o direito � privacidade � um bem de grande valor, que os poderes e os indiv�duos devem respeitar, a come�ar por eles pr�prios, com rela��o � sua pr�pria vida. O resto, como reza o velho ditado, o resto � selva.
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