Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Um ver�o quente, um futuro turvo: a amarga vit�ria do terror
Quando voc� ler estas palavras, outros fatos terr�veis talvez j� tenham acontecido e certas situa��es dolorosas tenham se precipitado em um ou v�rios lugares do mundo. � que entramos em um tempo de voragens que s� pode levar ao caos, ao medo, ao �dio e ao terror. A algo semelhante a um Apocalipse. Ou a uma �poca que pode ser muito parecida � de tantos processos com os quais uma retrospectiva da hist�ria nos nutre e horroriza, desde as invas�es b�rbaras da antiguidade at� o fascismo do s�culo 20, passando pelas guerras "santas", quer sejam chamadas cruzadas, pogroms ou jihad.
O mais terr�vel dos dias que vivemos hoje, neste exato momento, � que o simples fato de existir est� se convertendo em uma roleta-russa.
No �ltimo 14 de junho, enquanto eu voava de Madri a Ast�rias para assistir a um festival liter�rio, um terrorista investia contra uma multid�o na cidade de Nice e provocava cerca de cem mortes. Mas o alvo poderia muito bem ter sido meu avi�o. (Paradoxo: o festival ao qual assisti, na cidade espanhola de Gij�n, era dedicado � defesa dos refugiados e � sensibiliza��o do mundo para a situa��o deles).
Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Alguns dias apenas mais tarde, enquanto eu me afastava de trem da cidade alem� de Munique para fazer uma leitura p�blica de minhas obras, outro terrorista disparava contra um grupo de pessoas presentes num caf� do local.
Eu poderia ter sido um dos atropelados em Nice ou dos massacrados em Munique? Ou, por acaso, alguns dias mais tarde, poderia ter estado saciando minha curiosidade est�tica no interior da igreja normanda onde outros terroristas surgiram e degolaram o sacerdote de 84 anos? Claro que eu poderia ter estado ali. Uma das v�timas poderia ter sido eu. Ou voc� que me l� agora. E at� outro de meus colegas escritores de meio mundo que em Gij�n nos pronunciamos em favor de um tratamento melhor aos refugiados do norte da �frica expulsos de suas terras tamb�m pelo terror.
Desde que a atual "temporada" desta nova guerra santa come�ou de maneira espetacular e irrevers�vel com os atentados de 11 de setembro em Nova York, dezenas de milhares de pessoas (sou cauteloso no c�lculo) j� morreram em ataques terroristas ou nas respostas militares que eles suscitaram.
Mas desde ent�o a espiral continuou a ascender e, em seu movimento, foi criando a crise que est� impulsionando a marcha do que existe de pior na sociedade e na condi��o humana: os extremismos pol�ticos, religiosos, raciais, geogr�ficos, existentes de um lado e de outro. Ou seja, o objetivo maior foi alcan�ado e os fundamentalistas de sempre est�o em festa, e por isso veremos mais atentados, mais batalhas de guerras santas, mais pogroms ou como se queira cham�-los hoje, mais cruzadas e, na Europa, talvez tamb�m na Am�rica, uma lament�vel recupera��o de uma ultradireita que, sem se dar o nome de fascista, retomar� esse ide�rio negro e, ainda pior, alguns de seus m�todos.
Estamos assistindo � vit�ria do terror e do �dio. E, como sempre, seremos aqueles que n�o praticamos nem acreditamos no terrorismo nem nos totalitarismos, os que n�o somos xen�fobos nem extremistas, que talvez paguemos essas explos�es de viol�ncia com nossas vidas –como em Nice, como em Munique– e tamb�m os que, com toda certeza, veremos alterado o destino de nossa vida em sociedades cada vez mais tensas e cheias de �dio, de controle e repress�o.
Quem pode deter essa marcha em dire��o ao horror e como isso pode ser feito? � poss�vel contrabalan�ar no presente os desmandos do passado e pactuar, conversar, negociar, ceder? Quem se sentaria � mesa para dialogar? E mais: � poss�vel perdoar?
Lamento dizer a voc�, que agora me l�, que n�o vejo no horizonte pr�ximo sa�das dignas da encruzilhada � qual chegamos. As setas que indicam os caminhos poss�veis est�o marcadas "guerra", "vingan�a", "castigo", "exclus�o"...
Porque quando o que se busca � justamente fomentar o �dio, e para p�-lo em pr�tica nada importa (nem sequer a pr�pria vida ou o que diga ou deixe de dizer um livro), n�o h� espa�o para que algum caminho revela um sinal pequeno, mas alentador, que nos indique a dire��o da compreens�o e, quem sabe, da concilia��o. Ou, como escreveu Dante depois da passagem pelo inferno: o caminho para que possamos voltar a ver as estrelas.
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