Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Passear por Weimar nos faz sentir dentro da hist�ria
Um congresso de hispanistas alem�es e latino-americanos me permitiu visitar pela primeira vez a cidade de Weimar, e as horas que passei caminhando por suas ruas hoje tranquilas deixaram-me na retina e na mente, como poucas vezes j� aconteceu em minhas andan�as, o forte sabor residual de ter estado dentro da hist�ria.
Isso porque, ao longo dos mil anos de exist�ncia dessa cidade ainda pequena da Tur�ngia, a hist�ria alem� e, de certa forma, a europeia e universal passaram por esse lugar, deixando rastros indel�veis da grandeza do homem, e tamb�m de algumas de suas maiores trag�dias e mis�rias.
Renata Borges/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Um pequeno hotel de Weimar com uma discreta sacada dando para a pra�a do Mercado, eterno centro de conflu�ncia da cidade, me surpreendeu com a presen�a de uma escultura em tamanho natural de Martinho Lutero, gerador de uma das grandes reformas religiosas do mundo ocidental, t�o importante que moldou o car�ter alem�o e de v�rios pa�ses do centro da Europa.
Essa sacada do Hotel do Elefante resume um conceito importante dessa evolu��o que chamamos a hist�ria. H� alguns anos vem sendo colocada nesse espa�o uma imagem de um grande homem da cultura alem�, especialmente de algumas das personalidades ligadas � grande cr�nica cultural e pol�tica dessa cidade t�o pequena, mas onde aconteceram tantos fatos memor�veis.
Ali esteve de corpo presente o grande escritor Thomas Mann, mas por ali tamb�m passaram as imagens de Goethe e Schiller, ambos poetas vistos como os pais da p�tria alem� e ambos moradores de Weimar em certa �poca. Estadistas, fil�sofos, cientistas e m�sicos ocuparam esse lugar privilegiado para nos recordar o melhor da hist�ria, porque ali esteve em certa �poca a encarna��o do pior que o ser humano pode gerar. E os cidad�os de Weimar decidiram conviver com a hist�ria, antes de esquec�-la ou maqui�-la.
Porque foi em Weimar, a culta Weimar, que Adolf Hitler conquistou a primeira vit�ria eleitoral em seu caminho para o Reich e o horror, e foi nessa sacada discreta que o grande ide�logo do nazismo pronunciou, com o bra�o erguida, alguns de seus discursos para uma multid�o inflamada com suas palavras, convencida de que aquele pequeno austr�aco devolveria a grandeza da Alemanha e a reergueria da humilha��o de uma guerra perdida. Ali est� uma das fontes que nutririam o rio do terror e o Holocausto, que tamb�m teve um de seus cen�rios em Buchenwald, campo de concentra��o nas imedia��es de Weimar.
Exatamente em Weimar. A cidade de bosques p�blicos e tranquilos onde o poeta Goethe e seu amigo Schiller escreveram algumas das p�ginas mais importantes da hist�ria da literatura universal e fortaleceram o melhor do esp�rito rom�ntico.
A Weimar do pintor Cranach, o Velho, e que acolheu Liszt, Bach e Wagner. A Weimar onde Nietzsche se radicou e onde ainda hoje est� a maior parte dos pap�is de um dos fil�sofos mais influentes da modernidade. A Weimar onde nasceu e foi fundado o movimento da Bauhaus, que transformou os conceitos do design e da arquitetura universais –a Bauhaus que, por ser revolucion�ria, irreverente e criativa, foi expulsa da cidade quando o esp�rito nazista come�ou a se manifestar, disseminando seus protagonistas por meio mundo.
A cidade de Weimar �, al�m disso, um dos lugares por onde Napole�o Bonaparte andou, tanto que seu Ex�rcito imperial travou v�rias batalhas em suas imedia��es. E, como se n�o bastasse, foi em Weimar que foi fundada em 1923 aquela que ficou conhecida a Rep�blica de Weimar e, tr�s anos mais tarde, onde surgiram as Juventudes Hitleristas.
Visitar Weimar tem o poder de nos fazer sentir como todos somos parte da hist�ria e como a hist�ria faz parte de nossas vidas. E tamb�m de nos recordar que a hist�ria pode ser passado, tema de museus, mas ao mesmo tempo presente.
Pois � por meio de suas aulas de grandeza e dor que dever�amos aprender. E saber que a grandeza das ideias e a mis�ria do pensamento, a bondade e a maldade podem influir em nossas exist�ncias pessoais e coletivas e ent�o recuperar a certeza, tantas vezes esquecida, de que nunca estamos a salvo do pior que a esp�cie humana pode engendrar: o �dio, a xenofobia, a manipula��o da massa ferida e empobrecida, manejada por l�deres manipuladores e pelo diabo que atentou Lutero.
Embora a hist�ria tamb�m possa nos devolver a convic��o de que somos capazes de criar tanta beleza como a que nos presenteou essa bela e hoje pac�fica cidade de Weimar, onde, por sorte, hoje impera no Hotel do Elefante uma imagem de Lutero e, h� duas d�cadas, est�tuas de bronze de Goethe e Schiller presidem sobre a maior pra�a da cidade.
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