Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Per�odo Especial outra vez?
A possibilidade de voltarmos a viver uma fase de restri��es e car�ncias talvez parecida com a crise profunda da primeira metade dos anos 1990, que foi batizada oficialmente de Per�odo Especial em Tempos de Paz, amea�a a vida de Cuba, devido � escassez de combust�veis, � perda de ganhos com as exporta��es e a redu��o da liquidez monet�ria, que se agravaram nos �ltimos meses e criaram tens�o num panorama econ�mico que, n�o obstante esfor�os e pequenas aberturas, ainda n�o conseguiu encontrar os caminhos para a estabilidade e o crescimento.
O simples fato de pensar que podemos voltar a viver uma experi�ncia como a do Per�odo Especial provoca arrepios em tr�s gera��es de cubanos que vivemos esse per�odo e o recordamos como uma temporada no inferno. Cortes de eletricidade prolongados, escassez de alimentos, paralisa��o praticamente total do transporte p�blico, infla��o incontrol�vel –essas foram algumas das realidades do pa�s durante anos em que Cuba ficou economicamente s�, antes e depois do desaparecimento da URSS e sob a press�o ent�o aumentada do embargo norte-americano, al�m disso convertido em lei federal.
Enquanto o governo avaliava at� a possibilidade de chegar a uma chamada "op��o zero" (a paralisia total, que imporia o esvaziamento das cidades e o traslado de popula��es inteiras para a zona rural, onde viveriam em condi��es de comuna, cultivando o que fosse cultiv�vel e alimentando-se em caldeir�es coletivos), os cubanos lan�aram m�o das mais diversas estrat�gias de sobreviv�ncia: desde a utiliza��o de dejetos (cascas de frutas c�tricas) para alimentar-se at� o traslado maci�o de bicicleta; desde dormir sobre terra�os ao ar livre para resistir ao calor tropical at� abandonar profiss�es de prest�gio e alto valor social para carregar malas de turistas ou mesmo praticar a prostitui��o. Ao mesmo tempo, uma nova onda migrat�ria marcou a solu��o pessoal dos problemas, com a sa�da do pa�s, uma op��o que n�o diminuiu nos anos seguintes, de recupera��o franca, embora moderada, e que hoje pode aumentar exponencialmente.
Embora pare�a improv�vel que o n�vel de vida volte a cair �queles patamares t�tricos, e embora o governo insista que isso n�o vai acontecer, a situa��o econ�mica volta a ficar muito tensa, e alguns dos mecanismos postos em pr�tica 25 anos atr�s est�o retornando: a redu��o das cotas de combust�vel ao setor estatal; o aumento das medidas de poupan�a e austeridade; a diminui��o das horas em que se pode trabalhar em alguns centros, para evitar o consumo de energia; menos viagens no transporte urbano; a redu��o dos gastos em divisas.
A situa��o econ�mica da Venezuela parece ser a principal causa do agravamento dos problemas cubanos. Caracas � h� anos a principal parceira econ�mica de Havana e sua fornecedora constante de petr�leo (fala-se em 60% do petr�leo que Cuba consome hoje). Ao que tudo indica, seja qual for o destino pol�tico da Venezuela, a rela��o comercial com Cuba j� n�o poder� ser a mesma, e a ilha ter� que encontrar alternativas.
Nos �ltimos anos, o governo de Ra�l Castro procurou implementar modifica��es e projetar um modelo mais realista, ciente de que o problema da sociedade cubana que continua sem solu��o � sua efici�ncia e capacidade econ�mica. Gra�as a isso, come�aram a ser percebidas certas melhoras nos n�veis de consumo da popula��o e um movimento econ�mico lento, por�m sustentado. Projetos estrat�gicos, como a reforma do porto de Mariel para receber navios de grande calado e uma nova Lei de Invers�o Estrangeira, estariam entre os mais not�veis, se bem que, ao que parece, seus poss�veis efeitos econ�micos ainda sejam pequenos diante das necessidades acumuladas do pa�s e sua economia.
Qual ser� a solu��o atual? Promover cortes, poupar, n�o gastar? Ou ser� que � preciso uma reformula��o mais profunda do modelo econ�mico, hoje sob an�lise permanente das autoridades cubanas? Haver� alguma solu��o do esperado, ansiado e reivindicado levantamento do embargo comercial e financeiro que ainda existe e que apenas o Congresso norte-americano poder� revogar total e definitivamente?
Enquanto essas perguntas correm soltas pela ilha, corre tamb�m com elas a ideia assustadora de que n�s possamos viver uma esp�cie de reprise daquele nefando Per�odo Especial em Tempos de Paz em que tr�s gera��es de cubanos (a minha, a de meus pais e a de meus poss�veis filhos) subsistimos durante v�rios anos � beira da inani��o, entre o escuro, o calor e a desesperan�a. Tudo parece indicar que n�o chegaremos a isso, mas, caso qualquer coisa: Vade retro!
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