Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Havana, veloz e furiosa
Algumas semanas atr�s as ruas de Havana foram o palco de uma s�rie de persegui��es com helic�pteros e carros velozes, que �s vezes se chocavam at� virar ferro-velho. Pouco depois as casas e avenidas da cidade foram povoadas por uma fauna estranha de seres invasores, t�o alien�genas que ningu�m os via, embora todos soubessem que eles estavam ali, no cora��o da capital cubana.
A magia do cinema, o novo estado de rela��es diplom�ticas com os EUA e a moda cubana, tudo isso trouxe para a ilha uma das aventuras da saga "Velozes e Furiosos" e outra da s�rie "Transformers".
Nos dois casos, essas produ��es norte-americanas foram coordenadas e filmadas com a colabora��o do Instituto Cubano de Arte e Ind�stria Cinematogr�fica, a m�tica institui��o fundada apenas tr�s meses ap�s a vit�ria revolucion�ria de 1959 com o objetivo principal de fomentar o desenvolvimento de uma cinematografia nacional, cultural e socialmente de vanguarda, e de promover a programa��o do melhor cinema produzido em escala global.
Durante d�cadas, com acertos e desacertos, com vis�o de abertura ou com limita��es do que era politicamente permiss�vel (e, � claro, com dificuldades econ�micas), essa institui��o contribuiu de maneira not�vel com o impulso e o financiamento do cinema cubano. Ao mesmo tempo, criou um p�blico interessado, capaz de consumir e apreciar o melhor da arte cinematogr�fica universal, incluindo a norte-americana e a latino-americana.
Mas muda o mundo e muda Cuba. E muda tanto que a sempre criticada m�quina dos sonhos, esse complexo sistema de entretenimento e penetra��o cultural que costuma ser identificado com Hollywood, derrubou as muralhas de Havana para filmar cenas que est�o entre as mais banais e pseudoart�sticas realiza��es da ind�stria do espet�culo.
Enquanto isso, o cinema cubano feito em Cuba por cubanos ou por artistas comprometidos com a realidade social da ilha precisa lutar para se realizar. Algu�m com certeza calculou que � menos perigoso e mais proveitoso, economicamente, emprestar a geografia cubana para servir de cen�rio de persegui��es e invas�es extraterrestres do que promover filmes dom�sticos, quase sempre muito modestos e nada espetaculares, que falam dos muitos e verdadeiros problemas que vivem os cubanos em seu pa�s e fora dele, em seu presente e seu passado.
Boa parte dessa cria��o nacional j� deixou de ser produzida pelo Instituto Cubano do Cinema, que sofre os achaques de suas limita��es econ�micas e burocr�ticas, apesar de prometer que os rendimentos dos servi�os prestados a Hollywood ser�o reinvestidos no cinema da ilha.
Mas hoje muitos produtores s�o associa��es independentes, que existem h� v�rios anos, toleradas, por�m n�o reconhecidas jur�dica ou oficialmente, raz�o pela qual sempre se movimentam no fio da navalha.
Nos �ltimos tr�s anos, um n�mero enorme de criadores audiovisuais cubanos passou a reivindicar uma lei do cinema que lhes permita o reconhecimento e amparo. Com seu trabalho constante, esses "outsiders" de fato jogaram por terra o monop�lio da produ��o cubana regida e financiada –logo, controlada– pelo Estado. Mas sua liberdade � condicional e revers�vel, pois embora tenham dado mostras de capacidade de produ��o e cria��o, sempre precisam depender de autoriza��es oficiais para poder realizar suas filmagens e, mais ainda, suas proje��es.
O fio da navalha � muito vis�vel neste caso: � poss�vel cortar tudo o que algu�m em posi��o oficial desconfie que seja inconveniente.
V�rios filmes feitos com o apoio dessas produtoras independentes sofreram algumas das muitas formas de controle que o aparato oficial ainda pode exercer. Desde a n�o autoriza��o de filmagens at� a proibi��o da obra pronta. O que � significativo nesse conflito � que os criadores n�o pararam de trabalhar, em muitos casos fazendo seu trabalho em ocasi�es prec�rias, mas concluindo-o, no final, para participar da cria��o de uma cultura, uma mem�ria, uma etapa intensa na vida do pa�s.
Enquanto isso, os produtores de Hollywood filmam em Cuba e, como aconteceu com "Velozes e Furiosos", paralisam meia cidade. O �nico consolo � saber que, mesmo sendo um produto pseudoart�stico, sua passagem por Cuba deve deixar bons milhares de d�lares que (quero supor) ser�o reinvestidos em obras art�sticas de cineastas cubanos desejosos de expressar suas obsess�es e confront�-las com sua realidade.
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