Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
The Truth
Um ditado adverte que h� verdades que tiram sangue. Na realidade, uma verdade pode trazer para fora coisas piores, definitivamente f�tidas, e por isso encontrar a verdade costuma ser t�o dif�cil.
Uma conspira��o, �s vezes organizada, �s vezes espont�nea, praticada a partir do poder ou de uma rela��o pessoal, limita, oculta e em alguns casos at� destr�i a verdade.
Penso nas agruras da verdade porque tive ocasi�o recentemente de consumir tr�s obras magn�ficas que tratam das suas vicissitudes.
Uma delas � um filme cujo t�tulo � exatamente este, "The Truth" (em portugu�s, "a verdade", mas lan�ado no Brasil como "Conspira��o e Poder" e ainda em cartaz em S�o Paulo), que conta a hist�ria de uma jornalista americana, Mary Mapes, vilipendiada e exclu�da por ter feito o que se sup�e que algu�m de sua profiss�o deveria fazer.
Mas a verdade exposta por Mapes revela aspectos obscuros de um poder elevado demais, e, previsivelmente, a rea��o desse poder foi demolidora e esclarecedora.
Dirigido por James Vanderbilt a partir do livro de Mapes, o filme n�o recebeu nenhum Oscar, porque ainda hoje, talvez, a verdade que destaca seja dolorosa demais.
Uma biografia romanceada me revelou a hist�ria de Eduard Limonov, escritor, ativista e pol�tico russo assim�trico e inclassific�vel.
Escrito por Emmanuel Carr�re, "Limonov" recebeu alguns grandes pr�mios liter�rios franceses.
Neste caso, o tema da verdade � mais complicado, pois abrange desde a possibilidade ou impossibilidade de lan�ar luz sobre uma personalidade t�o complexa como a de Limonov at� a imagem de dois pa�ses que, por esta e outras leituras, me parecem constru�dos sobre a mentira ou aus�ncia da verdade: a URSS de ontem e a R�ssia de hoje.
Quanto pode fazer o poder para estigmatizar a verdade? At� que limites criminais pode um governo ou um sistema chegar para criar uma imagem virtual de sua gest�o?
O caso russo-sovi�tico n�o � exemplar de outros pa�ses e governos? A hist�ria de Limonov, personagem entre o atraente e o repulsivo, capaz de fundar um partido nazista-bolchevique, percorre d�cadas de mentiras acumuladas e de verdades que fomos conhecer apenas com o tempo, e nem sempre completamente, para termos uma ideia aproximada do que aconteceu nesse pa�s enorme, onde tudo � multiplicado por cifras exageradas.
N�o menos dram�tica � a hist�ria narrada pelo filme "Trumbo "" Lista Negra", de John McNamara, sobre o caso de Donald Trumbo.
"Trumbo" soma-se a outras obras sobre a ca�a �s bruxas desatada nos EUA nos dias cruciais da Guerra Fria. Com esse filme, que tampouco foi reconhecido no Oscar, entramos em outra hist�ria de marginaliza��o, resist�ncia e medo.
Porque, em seu empenho em ocultar ou tergiversar sobre a verdade, o poder lan�ou m�o do mais devorador de seus mecanismos: o de fazer com que o homem se sinta desprotegido, vulner�vel, assustado... porque n�o tem bases de apoio nem defesas poss�veis em uma sociedade em que todos sentem medo.
O uso do medo e da f� das massas sempre foi mecanismo de poder.
H� muitos s�culos, o medo era usado contra os cavaleiros templ�rios para lev�-los a confessar delitos que n�o tinham cometido.
O mesmo m�todo, aperfei�oado e generalizado, foi emprego por St�lin nos processos de Moscou para alcan�ar os mesmos fins: declara��es autoincriminadoras com as quais os r�us achavam que cumpriam com sua f�.
Os guardi�es da pureza ideol�gica americana tamb�m usaram esse recurso contra Trumbo e milh�es de cidad�os desse pa�s, que confessaram culpas que n�o tinham.
O terror vem sendo instrumento recorrente da pol�tica e ofereceu a certos governantes os recursos para derrotar a resist�ncia de outros, em nome da manuten��o do poder.
Por isso, Hobbes definiu o medo como uma das causas da origem do Estado, e Maquiavel ensinou ao Pr�ncipe como deveria utilizar o terror para governar, oferecendo a ele um manual de instru��es para esse fim. Tudo com a finalidade de ocultar e perverter a verdade.
Assim, a persegui��o � verdade faz parte integral da civiliza��o humana e do exerc�cio do poder. Mas a verdade, �s vezes at� assassinada, possui sua pr�pria for�a: a de ser a verdade. E esse poder � o castigo daqueles que, em algum lugar do mundo e da hist�ria, querem e conseguem silenci�-la. Como Cristo, a verdade pode ressuscitar ap�s tr�s dias, subir ao c�u e ali esperar a chegada do dia do Ju�zo Final.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade