Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Cuba e Obama: fatos da nova era
Tive a oportunidade de vivenciar a visita do presidente Obama a Cuba a partir de um balc�o muito especial: o da pol�mica e intensa cidade de Miami, cora��o do ex�lio cubano. E pude comprovar que, se numa �poca ainda recente esse cora��o pareceu ser um m�sculo duro e homog�neo, hoje, mais do que nunca, ele mostrou ser composto de diversos ventr�culos e aur�culas que movimentam o sangue em ritmos diferentes e at� em dire��es opostas.
A maioria dos que vivemos em Cuba (n�o me mudei para Miami, estou aqui de passagem) podemos considerar que a presen�a, as promessas e os est�mulos de Barack Obama aos cubanos foram recebidos com o benepl�cito do que j� parece assinalar uma nova era: o tempo do di�logo, mais que o da hostilidade. Esta pode ser a aurora de um processo de mudan�as em Cuba, j� com mais distens�o e, em breve, com maior interc�mbio comercial e cultural com o mundo. E, a partir desse instante, sem o fantasma sempre presente da pot�ncia inimiga, ansiosa por engolir o pequeno pa�s do sul (pelo menos do modo em que tradicionalmente se concebeu essa digest�o).
Entre os compatriotas de Miami as rea��es t�m sido as mais diversas. Os coment�rios (que n�o s�o apenas os dos meios de comunica��o) abrangem desde considerar Obama um traidor � "causa" cubana, com o argumento de que sua presen�a em Havana n�o fez mais que legitimar uma ditadura, at� a maioria que aplaudiu a aproxima��o como o �nico caminho para se aproximar de seu pa�s de origem e conseguir as melhorias que a Cuba necessita se quiser melhorar a vida de seus cidad�os, depois de longas crises e carestias. Para os emigrados mais pragm�ticos, a converg�ncia diplom�tica � o �nico caminho poss�vel para alcan�ar os objetivos que o embargo e fundamentalismo n�o conseguiram por mais de cinco d�cadas.
Em todo caso, uns e outros, apesar da diferen�a geracional e de opini�o, tiveram de concordar que o que se viveu em Havana nesses tr�s dias intensos de mar�o (nada menos que durante a Semana Santa) pode se converter, embora de formas ainda imprevis�veis, em uma nova etapa da vida dos cubanos que vivem em Cuba –e de muitos que vivem fora da ilha. Alguns j� pensam em um poss�vel retorno, segundo me admitiram.
Um presidente dos Estados Unidos reconhecer publicamente e diante de todos os cubanos que a pol�tica de embargo e hostilidade de seu pa�s em rela��o a Cuba foi um fracasso e provocou sofrimento � popula��o da ilha � um ato de realismo pol�tico e coragem hist�rica.
E o fato de esse presidente norte-americano falar com o cubano, Ra�l Castro, de direitos humanos em seus pa�ses � um marco, h� pouco impens�vel. O gesto de Obama, ao oferecer a Cuba a "rosa branca" da amizade do famoso poema de Jos� Mart�, pode ser visto como ret�rica, mas tamb�m expressa uma vontade pol�tica que encerra definitivamente a Guerra Fria nas Am�ricas, justo no dia em que o fundamentalismo ceifava vidas inocentes em uma capital europeia.
Um acontecimento esportivo, por�m profundamente pol�tico, pode mostrar ao leitor brasileiro as dimens�es factuais e simb�licas do que aconteceu na ilha nestes dias.
Num amistoso de beisebol entre um time profissional norte-americano e a sele��o cubana, a honra de lan�ar a primeira bola foi dada ao ex-jogador cubano Luis Tiant. Nesse instante, uma muralha dolorosa vinha abaixo. Para compreender o que um gesto t�o simples significa, basta dizer que Tiant foi um dos maiores jogadores de beisebol (essa paix�o cubana) no circuito profissional dos EUA. Mas, ao longo de toda essa magn�fica carreira, nenhum cubano de Cuba jamais o viu jogar! N�o era permitido transmitir na ilha as partidas das Grandes Ligas de Beisebol, vistas como a meca do mercantilismo capitalista nos esportes. Poderia um brasileiro conceber que, pelo fato de Pel� ter jogado na Espanha ou It�lia, seus compatriotas nunca (sim, escrevi nunca) o tivessem visto jogar –quase n�o soubessem que ele existia?
Depois de Obama, chegaram a Cuba os Rolling Stones, representantes da m�sica que, em certa �poca, era vista como penetra��o ideol�gica capitalista. Na fila de chegadas j� aponta um grande desfile da Chanel. E depois disso... Depois ser� aberto o 7� Congresso do Partido Comunista de Cuba, regente do pa�s –talvez a menos divulgada das c�pulas dos anos revolucion�rios e na qual, espera-se, todo o ac�mulo de mudan�as tomem algum rumo pol�tico definitivo. Mas, para saber sobre esse rumo –apesar dos sinais que atravessam o c�u cubano– precisamos esperar pelas altas decis�es do partido e por sua vontade, v�rias vezes expressada, de mudar o que precisa ser mudado, com realismo e otimismo.
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