Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
A arte e a dor de escrever em havan�s
Foi h� 40 anos, quando eu estava na faculdade, que um amigo me emprestou o exemplar trazido do M�xico ou da Espanha, como se fosse um objeto de contrabando –porque, naquela �poca n�o t�o remota assim, ler "Tr�s Tristes Tigres", de Guillermo Cabrera Infante, era um ato quase clandestino e, ao mesmo tempo, uma esp�cie de rito de inicia��o para qualquer cubano interessado em literatura.
O exemplar que me emprestaram estava encapado com papel de jornal para, ao mesmo tempo, preserv�-lo e escond�-lo. A leitura daquele livro foi para mim, e creio que para o resto dos escritores de minha gera��o, um ato de conhecimento comovente e revelador. N�o apenas por se tratar de um livro escrito por algu�m que tinha sa�do de Cuba numa �poca em que isso era uma decis�o irrevers�vel.
A revela��o e o assombro foram, sobretudo, liter�rios –naquele livro, assist�amos a uma concretiza��o est�tica das mais importantes da literatura cubana da segunda metade do s�culo 20: a descoberta e consuma��o de uma linguagem que poder�amos chamar de "havanesa liter�ria".
Antes de sair de Cuba, em 1965, Guillermo Cabrera Infante tinha tido uma vida cultural muito ativa na ilha e publicado dois livros no pa�s: um volume delicioso com suas muitas cr�ticas de cinema liter�rias, intitulado "Un Oficio del Siglo XX", e a cole��o de contos, que tamb�m l�amos com deleite, "As� en la Paz como en la Guerra".
Mas o que os livros iniciais esbo�avam ao n�vel de linguagem e apropria��o da paisagem havanesa convertia-se em uma festa com fogos de artif�cio em "Tr�s Tristes Tigres".
Ali, Cabrera Infante soltava todas as amarras de sua iconoclastia liter�ria e seu vanguardismo intelectual p�s-moderno em um livro que apenas com dificuldade podemos qualificar como romance –na realidade, � uma am�lgama de hist�rias nas quais, com a linguagem mais precisa e irreverente, ele criava uma imagem original daquela Havana colorida, musical e leve de outrora, embora carregada de viol�ncia.
Pouco depois daquele encontro revelador e estimulante, Cabrera Infante acrescentava outra coluna importante ao edif�cio de sua transcend�ncia liter�ria com a publica��o de "Havana para um Infante Defunto" (1979), uma esp�cie de livro de mem�rias romanceado no qual ele nos permitia assistir a outra festa e orgia da l�ngua espanhola em homenagem ao modo em que se fala, se vive e se morre em Havana.
Com aqueles dois livros, Guillermo Cabrera Infante se convertia em parte do trio de escritores que, na narrativa cubana do s�culo 20, mais e melhor expressaram a estrutura, a vida, a imagem da cidade. Curiosamente, nenhum era havan�s de nascimento, embora o tenham sido em sua obra: Cabrera Infante era de Gibara, Alejo Carpentier havia nascido em Lausanne, na Su��a, e Lino Nov�s Calvo era natural da Gal�cia.
Mas, diferentemente de seus antecessores, Cabrera Infante n�o era tr�gico nem explicitamente transcendente: fazia literatura da leveza, do cinema e da m�sica, da brincadeira e da divers�o. Jogava inclusive com a pobreza e a dor, enquanto convertia o erotismo e o sexo em ousados labirintos lingu�sticos.
No entanto, aquele escritor maldito e sagaz era, ao mesmo tempo, um homem universal e um escravo de suas circunst�ncias e sua cultura. Por isso, o ex�lio, vivido em Londres, n�o foi para ele uma liberta��o, mas uma pena, que em pouco tempo come�ou a lhe cobrar um pre�o: o desenraizamento. E uma consequ�ncia natural: a de se ressecar em vida.
Ent�o a leveza reveladora de seus primeiros livros come�ou a se converter em leveza cada vez mais vazia, enquanto a dificuldade em criar algo novo lhe era t�o evidente quanto seus desajustes emocionais. Ele come�ou inclusive a escrever em ingl�s e se encerrou no rancor e no �dio.
Recorrendo uma ou outra vez a seus temas, personagens e textos j� escritos, procurou conservar seu status de escritor irreverente e inconformista, mas sem conseguir sequer aproximar-se das realiza��es que, feitas em Cuba, haviam-lhe dado seu peso cultural como um dos nomes imprescind�veis da literatura cubana e da l�ngua.
Mesmo assim, ler a parte mais gloriosa da obra de Cabrera Infante � sempre um prazer intelectual e um aprendizado est�tico. Penetrar em suas obras p�stumas, em contrapartida, � constatar as propor��es de um colapso, o mesmo que come�ou a se delinear nos dias de sua sa�da de Cuba.
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