Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Cuba-Estados Unidos: um ano depois
As grandes emo��es j� passaram a fazer parte da mem�ria. H� justamente um ano a ilha de Cuba, de sua ponta ocidental at� seu extremo oriental, foi sacudida por aquela que foi uma das not�cias mais explosivas de 2015: Cuba e Estados Unidos anunciavam o in�cio de um processo de di�logo para restabelecer suas rela��es diplom�ticas, rompidas mais de meio s�culo antes.
Depois tiveram in�cio as sondagens, e em meados deste ano foram tomadas as grandes decis�es: em Washington e em Havana foram i�adas as bandeiras dos respectivos pa�ses nos edif�cios que voltaram a converter-se em embaixadas, os chanceleres dos dois governos assistiram a um ato simb�lico e concreto, tamb�m carregado de emo��o, e as rela��es diplom�ticas foram restabelecidas.
Embora eu n�o esteja a par dos detalhes, imagino que as conversas mantidas nesse per�odo tenham sido intensas e tensas. Isso porque, apesar da despropor��o dos poderes, as duas partes devem ter sa�do para a arena como touros bravos, cada uma disposta a conquistar o que via como quest�es de princ�pio: Cuba, sua soberania e o reconhecimento de seu sistema sociopol�tico; Estados Unidos, sua inten��o de, apesar das mudan�as nas rela��es diplom�ticas (ou ainda mais, contando com essas mudan�as), conseguir uma Cuba pol�tica e economicamente diferente.
Mas a disposi��o pol�tica de alcan�ar um consenso, ao que parece sustentada por um e outro lado, parece ter falado mais alto. E, apesar das diverg�ncias, conquistou-se o acordo. Muito contribuiu para isso o gesto da troca de prisioneiros com que se deu in�cio � aproxima��o. Depois, deve ter sido decisiva a ordem do presidente Obama de tirar Cuba da absurda lista de pa�ses patrocinadores do terrorismo, em que ela tinha sido colocada. Finalmente, a compreens�o pela parte cubana de que a revoga��o do aparato jur�dico e de press�o representado pela lei do embargo exigia outras negocia��es, vontades e tempos, e que era necess�rio avan�ar, apesar de sua persist�ncia cansativa.
Aplainado um trecho t�o importante do caminho, as inten��es de um e outro pa�s come�aram a mover-se por esse novo caminho. Depois do secret�rio de Estado John Kerry, passaram por Havana numerosas personalidades de escal�o maior ou menor, de maior ou menor import�ncia pol�tica ou econ�mica. Entre esses exploradores, passaram pela ilha duas pastas muito importantes do gabinete de Obama: a secret�ria do Com�rcio, Penny Pritzker, e o secret�rio da Agricultura, Thomas Vilsack -ou seja, as duas pontas de lan�a de uma poss�vel rela��o comercial mais fluida entre os dois pa�ses desejosos, um, de vender -os Estados Unidos–, e o outro -Cuba- de fortalecer sua economia e modernizar sua infraestrutura. E embora n�o tenham sido tomadas grandes decis�es (o embargo ainda limita as possibilidades), as inten��es antes declaradas parecem claras, embora desconhe�amos os pormenores que, com certeza total, foram discutidos durante essas visitas.
Enquanto oficialmente os norte-americanos n�o podem viajar a Cuba como turistas (novamente o peso do embargo), a cada dia chegam � ilha centenas de visitantes americanos amparados por licen�as culturais, acad�micas, religiosas, etc., que lhes permitem chegar para farejar o ambiente ou simplesmente para tomar um daiquiri no lugar onde Hemingway costumava tom�-los (em grande quantidade).
Mas os cubanos comuns, que muito se animaram com o restabelecimento das rela��es entre os dois pa�ses que por tanto tempo se enfrentaram, ainda esperam pelos resultados concretos e cotidianos que os ajudem a melhorar suas vidas, como sonharam que aconteceria gra�as ao novo cen�rio aberto h� um ano. E, se ao n�vel pol�tico vem sendo um al�vio sentir como se reduz a tens�o h� tanto tempo imposta sobre o estreito da Fl�rida, e se ao n�vel econ�mico alguns pequenos empres�rios donos de restaurantes e hot�is situados na zona tur�stica viram sua receita aumentar com as ondas de viajantes norte-americanos, a verdade � que, para a popula��o maior, a t�o ansiada melhora n�o aliviou a dif�cil situa��o em que vive a maioria dos habitantes da ilha. Eu me atreveria inclusive a dizer que a conjuntura econ�mica das fam�lias se agravou mais nestes meses, a julgar por algo t�o fundamental quanto a alta dos pre�os dos alimentos.
Talvez seja por isso -ou tamb�m por isso-que centenas, talvez milhares de cubanos saem da ilha a cada dia em uma busca pessoal e familiar por uma solu��o para suas car�ncias, de um horizonte mais claro para suas expectativas e seus projetos de vida. E, por enquanto, aproveitam a sobreviv�ncia da lei de ajuste cubano, que lhes permite ser recebidos em qualquer aeroporto ou posto de fronteira dos EUA, para iniciar um tr�mite migrat�rio r�pido que lhes garanta no prazo de um ano a autoriza��o de trabalho e a resid�ncia nos Estados Unidos. Com essa vantagem, eles se lan�am em busca dessa meta pelos caminhos mais ins�litos e at� perigosos. A melhor prova dessa op��o � a cria��o, nas �ltimas semanas, de uma crise humanit�ria e migrat�ria na fronteira da Costa Rica e Nicar�gua, crise que n�o conseguiu ser resolvida por nenhuma das partes e que vem se agravando h� dias com a chegada de mais migrantes cubanos (j� andam em torno de 5.000), com a piora de suas condi��es de refugiados tempor�rios.
Mas a �ltima gota na situa��o desencadeada pelos temores cotidianos dos cubanos veio de outro lado: a nova situa��o pol�tica criada na Venezuela leva muitos a temer pela poss�vel perda da rela��o salvadora que at� agora tem vindo de Caracas, convertida na principal parceira comercial de Cuba e sua mais s�lida aliada pol�tica.
Um ano depois da grande not�cia, embora para muitos cubanos nada tenha mudado, na realidade mudaram muitas coisas. E, enquanto uns esperam que os benef�cios da recuperada rela��o com os EUA finalmente cheguem e des�am das alturas, outros resolvem n�o esperar e se lan�am em uma busca arriscada e dura de uma solu��o que decidiram procurar por seus pr�prios meios, porque o tempo vital das pessoas n�o costuma ser o dos pa�ses, e, menos ainda, o da hist�ria.
Tradu��o de CLARA ALLAIN
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