Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Boa noite e boa sorte
A censura � um mecanismo de controle do pensamento, da opini�o e da cria��o que, de uma forma ou outra, com mais sutileza ou agressividade, � exercido em todas as sociedades e tempos hist�ricos desde que o homem civilizado viu nascer as sociedades de classe.
Quer sejam de car�ter pol�tico, ideol�gico, econ�mico, social ou �tnico, os grupos de poder sempre procuraram deslocar a imagem de sua sociedade, classe ou estrato em dire��o ao �ngulo que beneficie seus interesses e imagem.
Ent�o aplicaram seus mecanismos de poder para impedir, ou pelo menos dificultar, a livre circula��o de ideias, conceitos, propostas e avalia��es que sejam de alguma maneira inadmiss�veis ou prejudiciais � imagem que desejam patentear de sua pr�pria entidade.
Ao mesmo tempo, como uma contrarresposta a poss�veis interpreta��es que se julgue desfavor�veis, incentiva-se e promove-se uma imagem de homogeneidade intelectual, social, art�stica e religiosa que se quer estabelecer e validar de maneiras mais ou menos dr�stica, mesmo que falsa. E o efeito mais nocivo � que, diante da falta de crit�rios diversos, limita-se a capacidade de progresso e melhoramento social.
Ao longo da hist�ria, houve sociedades em que os limites do permiss�vel nas �reas do pensamento e da cultura estiveram muito claramente definidos, sendo inclusive estabelecidos com documentos precisos. Em tais casos, as institui��es ou inst�ncias censoras apenas se encarregaram de cumprir um encargo recebido e velar por sua aplica��o.
Em outras sociedades, pelo menos aparentemente mais abertas e democr�ticas, um tribunal censor poderia representar uma ofensa �s liberdades sociais e individuais pelas quais se lutou durante tantos s�culos.
Em muitas ocasi�es, por�m, a censura se fez presente por mecanismos menos vis�veis, mas igualmente eficientes, como as prefer�ncias do mercado, ou os discursos �ticos quase sempre fundamentalistas, �s vezes muito vis�veis, que se sentem ou se apresentam autorrespaldados por sua miss�o de guardi�es do bom estado moral da sociedade, cuja integridade supostamente defendem.
O maior mal que a censura pode causar n�o � a proibi��o, propriamente dita, que por si s� j� constitui uma aleivosia em uma sociedade democr�tica: � a autocensura como forma de sobreviv�ncia dos indiv�duos, que, cientes dos limites da permissibilidade, veem-se compelidos a ater-se a esses limites e restringem seu pensamento, cria��o e express�o verdadeiros, deformando-os ou simplesmente ocultando-os.
O indiv�duo autocensurado entra no sistema, participa dele, mas o faz coberto pela m�scara de seu sil�ncio ou de sua voz autorregulada. E essa � uma atitude que tamb�m se repetiu ao longo da hist�ria e que se pratica hoje em muitos lugares. Como recordou recentemente um colega, foi Mark Twain que, com sua acidez habitual, disse: "Gra�as ao bom Deus temos em nosso pa�s estas tr�s coisas indizivelmente preciosas: a liberdade de express�o, a liberdade de consci�ncia e a prud�ncia para nunca exercer nenhuma das duas".
Hoje, uma das formas de censura mais praticadas, por acreditar-se que seja menos evidente, � a invisibiliza��o de pessoas cujo pensamento e cuja imagem os grupos de poder midi�tico, pol�tico ou social n�o querem que sejam promovidos.
Mas no mundo atual essa pretens�o muitas vezes carece de sentido (embora n�o deixe de ser efetiva), pois as alternativas abertas pelo universo digital e das comunica��es criam buracos quase imposs�veis de serem preenchidos pela efici�ncia dos mecanismos de censura e controle, incluindo esse. O mundo de hoje � grande demais e, ao mesmo tempo, pequeno, interconectado.
Seja qual for a estrat�gia que emprega, a censura � um mal social, e a autocensura, uma lacera��o da dignidade humana. E ambas s�o males sociais.
Devo recordar, n�o obstante o que foi dito acima, que todas as sociedades, especialmente as mais permissivas, sempre precisam impor certos limites �s liberdades de uma express�o que, se forem ultrapassadas certas fronteiras, pode tornar-se ofensiva a determinados setores do organismo social.
Porque existem c�nones �ticos que precisam ser inviol�veis e prote��es legais que se sup�em serem estabelecidas pelo contrato social que a conviv�ncia civilizada forjou. Express�es de racismo ou superioridade �tnica, de homofobia, de xenofobia, de atitudes que poder�amos descrever como fascistas ou fundamentalistas (em suas muito diversas vertentes), n�o devem ter lugar em uma sociedade moderna, por mais democr�tica e aberta seja, pois ferem o direito e a integridade de outros.
Boa noite, e boa sorte.
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