Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Rolling Stones: de olho em Havana
Mal foi recebida pelos meios de comunica��o oficiais e a not�cia j� correu pela ilha como um furac�o: Mick Jagger, o mais "rolling" de todos os Rolling Stones, o mais irreverente e provocador, havia chegado a Cuba em uma viagem de prospec��o, porque os Rolling Stones querem se apresentar em Cuba! E Havana concordou!
H� algumas semanas, neste mesmo espa�o, eu j� tinha avisado: Cuba est� na moda, definitivamente, e quase todo o mundo quer passar pelo pa�s: alguns para cantar, outros para dan�ar, outros para fazer neg�cios, outros para pregar e muitos para ver e, se poss�vel, tentar entender, como declarou a secret�ria do Com�rcio dos EUA, Penny Pritzker, depois de sua estadia em Havana.
Mas a presen�a de Mick Jagger por estas bandas tem muitos outros significados, ou, pelo menos, significados muito espec�ficos, pois estamos falando mais ou menos do mesmo pa�s em que ele e sua m�sica, assim como a dos Beatles e de tantos outros grupos de rock dos anos 1960, foram considerados uma influ�ncia nociva para a juventude.
Por isso, sua presen�a era limitada nos canais de difus�o; �s vezes era at� proibido toc�-la, e revelar um gosto pessoal por esses grupos e sua m�sica podia ser visto como uma fraqueza ideol�gica muito grave.
Isso dava impunidade � pol�cia para exercer sua autoridade, com a possibilidade de confiscar ou simplesmente quebrar os discos dessa m�sica "estrangeirizante" se os surpreendesse nas m�os de um jovem cubano da �poca –como em certa ocasi�o ocorreu diante de meus olhos.
Por sorte, alguns crit�rios ideol�gicos e art�sticos de Cuba mudaram muito ao longo das d�cadas seguintes –e n�o apenas no que diz respeito ao rock. Primeiro lentamente, e depois de modo total, foram abertas as portas � difus�o da m�sica pop e rock na ilha, e foi revalorizada a personalidade de seus artistas e a import�ncia de suas obras.
Assim, faz mais de dez anos que John Lennon tem uma est�tua de bronze em um parque do centro de Havana, convertido em local de romaria de admiradores e turistas.
Mas Mick Jagger chega agora a Cuba de corpo completo e j� se fala da possibilidade de um grande concerto no maior est�dio de beisebol do pa�s, no cora��o de Havana.
E o simples fato de imagin�-lo cantando em um cen�rio cubano me faz voltar no tempo outra vez, para mergulhar naqueles tempos de minha adolesc�ncia e juventude, quando ter�amos dado a vida para assistir a um evento assim e nem sequer t�nhamos o paliativo de poder ver nossos �dolos musicais na tela de alguma televis�o.
Mesmo assim, nossa educa��o sentimental se fez na contracorrente daquelas pol�ticas culturais, e, de uma maneira ou de outra (numa �poca em que nem sequer existiam toca-fitas), ouv�amos aqueles grupos e at� consegu�amos cantar suas m�sicas.
Para muitos dos que hoje temos por volta de 60 anos, a trilha sonora da nossa juventude est� gravada em nossas mem�rias com can��es de Beatles, Rolling Stones, Chicago, Blood, Sweat and Tears, The Mamas and the Papas e as m�sicas do Creedence Clearwater Revival que meu personagem Mario Conde e seus velhos amigos ouvem em cada romance.
Talvez o pr�prio fato de eles serem uma fruta proibida, ou no m�nimo vista como suspeita, tenha ajudado a fazer essa prefer�ncia deitar ra�zes, em vez de contribuir para dissolv�-la. � o que a censura costuma provocar. E, no final, foi um benef�cio espiritual que ganhamos, com gratid�o apenas por esses m�sicos que, ainda que numa l�ngua incompreens�vel, tamb�m cantavam para n�s, que viv�amos na ilha.
Porque, � diferen�a de muitos dos jovens de hoje, f�s desse filho bastardo do hip-hop conhecido como reggaeton, pobre de ritmo e quase sempre grosseiro de letras, n�s temos em nossa mem�ria mais afetiva frases como "We all live in a yellow submarine" ou "I can't get no... satisfaction",
Talvez, penso, os Rolling Stones estejam chegando a Cuba tarde demais. Seus f�s mais fi�is, estamos entre os 60 e os 70 anos, enquanto sua m�sica hoje j� n�o significa o que significou ontem.
Mas, de qualquer maneira, � melhor tarde que nunca, penso tamb�m. E acredito que a presen�a deles em Havana vai sacudir o pa�s do melhor dos modos poss�veis: sacudir a mem�ria, exorcizar os esquecimentos, e os membros de minha gera��o que j� t�m netos talvez possam ir ver Mick Jagger em companhia de seus descendentes.
E o neto poder� guardar a lembran�a e algum dia, dentro de 50 anos, poder� contar a seu pr�prio neto que um dia assistiu � primeira apresenta��o dos Rolling Stones em Cuba, junto com o tatarav� dele, e o viu chorar de emo��o, de frustra��o e, por que n�o, tamb�m de "Satisfaction"!
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