Jornalista, escritor e diretor de cinema cubano. � autor de 19 livros, incluindo "O Homem que Amava os Cachorros" . Mora em Havana.
Cuba depois do 17-D
Enquanto me preparo para viajar ao Brasil e participar da Feira do Livro de Canoas, no Rio Grande do Sul, e da renomada Flip, em Paraty, quase todos os dias paro para dar entrevistas a algum jornal, revista ou emissora de r�dio —local ou nacional— brasileiro, compromisso que assumo com seriedade e respeito aos meus colegas jornalistas e aos supostos leitores dessas entrevistas —e espero que tamb�m de meus livros.
� curioso, por�m, que em todos os interrogat�rios a que fui submetido —e ainda faltam alguns antes da viagem, e haver� outros durante minha estada f�sica no Brasil— sempre surge uma pergunta que parece mobilizar a curiosidade coletiva; e ela se relaciona ao que aconteceu em Cuba assim que os presidentes Ra�l Castro e Barack Obama anunciaram o acordo para iniciar conversa��es com o objetivo de restabelecer as rela��es entre Cuba e os Estados Unidos, rompidas h� mais de meio s�culo.
Para muitos, a curiosidade pol�tica e social que o an�ncio provocou � concreta e se limita ao que pode ter ocorrido. Para outros, � um convite a uma previs�o do futuro, pois lhes interessa saber o que acontecer�. E para outros mais, � algo j� definitivo, conclu�do, o que inclui a revoga��o da lei do embargo —embora n�o se saiba quando isso vai acontecer, porque ainda n�o est� decidido quando ser�o restabelecidas as t�o alardeadas rela��es diplom�ticas, o primeiro passo em todo processo de normaliza��o dos elos entre dois pa�ses...
Minhas respostas, presumo, ter�o sido pouco satisfat�rias para os entrevistadores, pois o certo � que depois do retumbante an�ncio de 17 de dezembro aconteceram muitas coisas, mas talvez tenham ocorrido poucas daquelas que os jornalistas gostariam que acontecessem.
Explico.
Aconteceu, entre as mais not�veis, o interc�mbio de prisioneiros que acompanhou o an�ncio dos presidentes, o que representou um ato que quebrou o gelo e demonstrou a vontade m�tua de entendimento; aconteceu o in�cio de conversa��es para o restabelecimento de rela��es, e, como fruto delas, Cuba foi retirada da lista de pa�ses patrocinadores do terrorismo, uma dura condena��o unilateral que o pa�s jamais deveria ter sofrido; aconteceu que, com as novas licen�as para viajar, come�ou a chegar � ilha uma quantidade maior de visitantes norte-americanos; aconteceu, por fim, que um banco norte-americano decidiu aceitar contas dos integrantes da se��o de interesses cubanos radicada em Washington; e, entre as demais coisas que aconteceram, houve uma partida amistosa entre a sele��o de Cuba e o Cosmos, de Nova York, gra�as � qual viajou a Cuba o lend�rio e inexpugn�vel Pel�; e, sobretudo, aconteceu um encontro cordial e sorridente entre Obama e Ra�l na confer�ncia de c�pula do Panam�, onde os dois estenderam ao m�ximo o ritual do aperto de m�o, acompanhado por sorrisos...
Mas, ainda assim, n�o aconteceu um acordo definitivo quanto � abertura de embaixadas em Washington e Havana, e n�o surgiram acordos concretos que para Cuba poderiam ser urgentes e muito necess�rios, quanto a assuntos como as telecomunica��es, e nem est� previsto quando terminar� o embargo e a ilha ser� aberta a investidores norte-americanos. E, acima de tudo, n�o ocorreram os efeitos sociais e muito menos liter�rios sobre os quais os jornalistas (e n�o s� brasileiros) me perguntam, porque tudo que aconteceu, e mencionei acima, se produziu em um plano metaf�sico, formal, ou de alta pol�tica... e n�o no da realidade social na qual vivem os cubanos e da qual se alimentam os escritores.
O certo � que, ainda assim, neg�cios privados como restaurantes e pousadas j� come�am a fazer uma colheita lucrativa com os norte-americanos chegados ao pa�s e que, em uma manifesta��o art�stica din�mica, como as artes pl�sticas, j� se veem obras que respondem � nova conjuntura pol�tica criada, como a performance de um dubl� de Obama que saiu a passeio pelas ruas de Havana ou a chegada de um Elvis Presley para adquirir arte cubana —e ele come�ou a opera��o pela compra de uma mulata. Mas, nos demais aspectos da vida social e cotidiana (ou seja, praticamente toda a vida social e cotidiana), a situa��o continua encalacrada, entre dificuldades e esperan�as que engordam e envelhecem, e que �s vezes nos parecem eternas e insol�veis...
Assim, enquanto as coisas mudam, n�s escritores podemos continuar escrevendo sobre o que at� agora nos alimentou e que, para dizer a verdade, n�o � pouco, e precisamos tentar parecer inteligentes diante de perguntas de t�o dif�cil resposta.
Tradu��o de PAULO MIGLIACCI
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