![drauzio varella](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15140450.jpeg)
M�dico cancerologista, dirigiu o servi�o de Imunologia do Hospital do C�ncer. Um dos pioneiros no tratamento da Aids no Brasil e do trabalho em pris�es. Escreve aos s�bados, a cada duas semanas.
Intelig�ncia e indig�ncia
Mil vezes ser filho de intelectuais ricos do que ter pais pobres e ignorantes. Nutri��o inadequada, infec��es de repeti��o e indig�ncia cultural comprometem o desenvolvimento do c�rebro da crian�a.
Vamos � pobreza.
O c�rebro � o �rg�o que mais consome energia. No rec�m-nascido, 87% das calorias ingeridas s�o consumidas por ele. Esse n�mero cai para 44% aos cinco anos; 34% aos dez; 23% nos homens e 27% nas mulheres adultas.
As infec��es parasit�rias interferem no equil�brio energ�tico, porque prejudicam a absor��o de nutrientes e obrigam o organismo a investir energia na repara��o dos tecidos lesados e na mobiliza��o do sistema imunol�gico, para localizar e atacar os germes invasores.
As diarreias na inf�ncia t�m custo energ�tico especialmente elevado. Antes de tudo, por causa da alta preval�ncia: est�o entre as duas principais causas de �bitos em menores de cinco anos; depois, porque dificultam a absor��o de nutrientes.
Quadros diarreicos de repeti��o durante os primeiros cinco anos de vida podem privar o c�rebro das calorias necess�rias para o desenvolvimento pleno e comprometer para sempre o quociente intelectual (QI).
Diversos estudos demonstraram que infec��es parasit�rias e quociente intelectual trilham caminhos opostos. Um deles, realizado no Brasil pelo grupo de Jardim-Botelho, mostrou que crian�as em idade escolar com ascarid�ase apresentam performance mais med�ocre nos testes de capacidade cognitiva. Naquelas parasitadas por mais de um verme intestinal os resultados s�o piores ainda.
A hip�tese de que infec��es parasit�rias prejudicariam as faculdades intelectuais explica por que a m�dia do QI aumenta rapidamente quando um pa�s se desenvolve (efeito Flynn), por que o QI � mais alto nas regi�es em que o inverno � mais frio (menos parasitoses) e por que nos pa�ses pobres os valores m�dios do QI s�o mais baixos.
Agora, � ignor�ncia.
Aos tr�s anos de idade, o c�rebro da crian�a atingiu 80% das dimens�es do adulto. Nessa fase, j� existem 1.000 trilh�es de conex�es entre os neur�nios (sinapses), aparato essencial para que o desenvolvimento intelectual aconte�a em sua plenitude.
Dos 18 meses aos quatro anos de idade, a matura��o do c�rtex pr�-frontal acontece com velocidade m�xima. Essa �rea, que coordena linguagem, resolu��o de problemas, comunica��o, intera��es sociais e autocontrole, fun��es de alt�ssima complexidade, depende de est�mulos cognitivos m�ltiplos e variados, para formar novas sinapses e refor�ar a arquitetura das j� existentes.
Enquanto conversam, brincam, contam e leem hist�rias para os filhos, os pais os ajudam a construir as conex�es necess�rias para o pensamento bem articulado.
O estresse causado por ambientes dom�sticos conturbados interfere com a constru��o de novas sinapses, deixando falhas duradouras no c�rebro infantil.
Estudos com resson�ncia magn�tica funcional mostram que existem diferen�as marcantes entre as crian�as mais pobres e as mais ricas, n�o apenas no c�rtex pr�-frontal, mas tamb�m no hipocampo, �rea essencial para a mem�ria e o aprendizado.
Estrutura cuja caracter�stica fundamental � a plasticidade, isto �, a capacidade de formar novas conex�es neuronais para suprir as que se perderam ou nem chegaram a se formar, o c�rebro adulto poder� se recuperar mais tarde.
A reconstru��o, no entanto, ser� um processo trabalhoso, lento e imperfeito. Alfabetizar pessoas de idade, ensinar-lhes um novo idioma e a linguagem dos computadores � poss�vel, mas n�o � tarefa simples.
Sem minimizar o impacto da escolaridade e sua influ�ncia na forma��o do c�rebro adulto, o papel da fam�lia � crucial. Vivam juntos ou separados, m�es e pais que conversam, contam hist�rias, leem e criam um ambiente acolhedor promovem no c�rebro dos filhos respostas hormonais e neuronais decisivas para o desenvolvimento pleno.
No Brasil, existem 38% de resid�ncias sem saneamento b�sico. Quase metade dos beb�s nascidos anualmente pertencem � classe E, que sobrevive com renda familiar abaixo de dois sal�rios m�nimos. Mais de 20% dos partos do SUS s�o realizados em meninas de dez a 19 anos.
A esse caldo de cultura acrescentamos um sistema educacional de baixa qualidade.
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