![angela alonso](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/especial/images/16099226.jpeg)
� professora do departamento de sociologia da USP e presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de An�lise e Planejamento). Escreve aos domingos, mensalmente.
De greve em greve
Keiny Andrade/Folhapress | ||
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Manifestantes no Largo da Batata, em S�o Paulo, na greve geral de 28 de abril |
No dia do trabalho, Temer falou � na��o. Ou melhor, dirigiu-se aos 9% dos brasileiros que, fiando-se no Datafolha, pode considerar "amigos e amigas". Talvez por falar a t�o poucos tenha dito o que disse. Filiou-se � longa linhagem dos modernizadores do Brasil.
Como estamos em maio e o tema � trabalho, podia ter associado sua "moderniza��o" das leis trabalhistas � aboli��o da escravid�o. Teria achado apoio na hist�ria. A mesma C�mara que autorizava o governo a descer o cacete nos protestos antiescravistas desde 1885 aprovou o fim do trabalho compuls�rio em maio de 1888. N�o espanta, pois, que tenha reduzido o projeto abolicionista a lei enxut�ssima, sem v�rgula sequer acerca do direito dos libertos.
Ex-escravos e imigrantes herdeiros de sua sina continuaram em condi��es g�meas �s do cativeiro. Nem sempre, contudo, seguiram a velha "mensagem de otimismo e harmonia entre todos os brasileiros", que Temer torna a difundir. Ao longo da hist�ria republicana, v�rios movimentos sociais preferiram interpreta��o pr�pria da "moderniza��o", como expans�o de direitos. E agiram para converter ideia em fato.
S�o Paulo viu isso no miolo de 1917, quando assistiu a sua primeira greve geral. A cidade parou. Aderiram categorias em cascata, demandantes de melhoras salariais e de condi��es de trabalho. Manifestantes daquele tempo se parecem mais com os de hoje do que se pode imaginar: muitos eram anarquistas, partid�rios das formas de a��o direta.
A resposta das autoridades de ent�o tamb�m segue na moda. Em 10 de julho de 1917, um jovem sapateiro espanhol foi baleado no est�mago. A pol�cia de Goi�nia acaba de mostrar a longevidade do padr�o: golpeou com cassetete a cabe�a de um estudante.
N�o havia ainda instrumentos de contagem, mas o enterro do sapateiro virou a maior manifesta��o de protesto que os paulistanos tinham visto at� ent�o. J� na greve geral da semana passada, 35 milh�es de pessoas pararam, segundo os sindicatos.
N�meros nunca s�o confi�veis em mobiliza��es pol�ticas, porque os organizadores superestimam e a imprensa e a pol�cia subestimam os participantes, mas a paralisa��o foi significativa tamb�m por outros crit�rios. O primeiro foi a enorme visibilidade: #Brasilemgreve foi um dos trending topics mundiais do Twitter. Segundo, mobilizou para fora do per�metro tradicional. Nos protestos brasileiros, abundam servidores e estudantes. L� estavam eles outra vez. Contudo, outros setores aderiram, caso de professores das escolas particulares, onde se processa a reprodu��o educacional da elite social paulistana.
Tudo tem seu outro lado. Para ficar nos col�gios, parte de pais e de alunos se postou contra o protesto. V�rios endossaram a sugest�o paradoxal do prefeito de paralisar o trabalho em feriado e questionaram o direito constitucional � greve.
Presidente e prefeito reagiram ainda evocando a l�gica da efici�ncia. Temer, em seu estilo anos 1940, atribuiu � reforma trabalhista o poder m�gico de diminuir a��es judiciais, baixar a infla��o e aumentar o emprego. Nessa linha, o problema do pa�s seriam os direitos excessivos do trabalhador, n�o os subs�dios ao empresariado em todos os nichos e n�veis do governo. Por seu lado, o prefeito-que-trabalha se insurgiu contra os que n�o prosperariam por serem dorminhocos. Temer demandou "harmonia" entre patr�es e empregados. Anseia acomoda��o. Doria estabeleceu clivagem entre vagabundos e labutadores. Luta para remover privil�gios dos primeiros que impedem os segundos de vencer na vida.
O p� de barro do racioc�nio � que nem todos come�am o dia com as mesmas condi��es iniciais. A maioria dos brasileiros nasceu em ber�o bem menos espl�ndido do que o presidente, n�o estudou em escolas de elite e depende de garantias legais para jogar um jogo assim�trico, no qual os donos da bola s�o empres�rios como Doria.
Num pa�s profundamente desigual, em que pol�ticas redistributivas seriam medidas de m�nima justi�a, os dois mandat�rios apostam no receitu�rio liberal. As solu��es para os problemas coletivos, julgam, nascem do indiv�duo. O presidente o disse no fecho do discurso: "� com trabalho que vamos vencer nossas dificuldades". "Acredite na for�a de cada um."
Pode ser que os eleitores acreditem mesmo e usem o superpoder do individualismo nas urnas, para defenestrar aqueles que cassarem seus direitos.
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