Suic�dio de doutorando da USP levanta quest�es sobre sa�de mental na p�s
Diego Padgurschi - 26.fev.2016/Folhapress | ||
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Pesquisador trabalha no Instituto de Ci�ncias Biom�dicas da USP, o mesmo do aluno que morreu |
Prazos apertados, pouco dinheiro, press�o para publicar artigos, carga de trabalho excessiva, cobran�as, solid�o. A vida de quem est� na p�s-gradua��o n�o � f�cil.
Esses fatores n�o s� trazem dificuldades pessoais e sociais �queles que optam por seguir carreira acad�mica como tamb�m podem gerar consequ�ncias graves, como n�veis altos de estresse, depress�o, ansiedade e outros transtornos.
"� uma quest�o sobre a qual ainda se fala pouco, embora o mestrado e o doutorado tenham, sim, caracter�sticas que podem desencadear problemas psicol�gicos ou psiqui�tricos", diz T�nia de Mello, coordenadora do Servi�o de Assist�ncia Psicol�gica e Psiqui�trica ao Estudante da Unicamp.
Em alguns casos, essa combina��o pode levar a atos extremos. H� cerca de dois meses um aluno de doutorado do Instituto de Ci�ncias Biom�dicas da USP se suicidou no laborat�rio no qual trabalhava.
Deixou, numa lousa que havia no local, uma mensagem em que dizia estar cansado de tentar, de ter esperan�a, de viver. O texto terminava com a express�o em ingl�s "I'm just done" ("para mim, chega", em tradu��o livre).
Segundo colegas, ele estava pr�ximo da qualifica��o (exame crucial que precede a defesa da tese) e vinha enfrentando problemas em sua pesquisa. "Ele estava travado. O doutorado dele parecia que n�o ia", disse um amigo que pediu � reportagem que n�o o identificasse.
Para Eduardo Benedicto, coordenador do Centro de Orienta��o Psicol�gica da USP de Ribeir�o Preto, � preciso levar em conta as especificidades de cada caso, mas, algumas situa��es da p�s, sobretudo em indiv�duos mais suscet�veis, podem contribuir para o estudante achar que n�o tem sa�da e desencadearem, por exemplo, um quadro de idea��o suicida.
Mello lembra que as �reas experimentais –como a do estudante que morreu– trazem um complicador a mais. "�s vezes um equipamento quebra, um reagente n�o chega e o trabalho fica parado. Estar sujeito a circunst�ncias que n�o dependem de voc� � angustiante."
CRISES DE P�NICO
Mesmo quando n�o est� ligada a uma situa��o t�o tr�gica, a rotina �s vezes brutal da p�s pode causar preju�zos.
Rita (nome fict�cio), 32, nunca havia tido nenhum transtorno psiqui�trico at� entrar na p�s, h� cinco anos. A carga excessiva de trabalho levou a estudante, hoje doutoranda no Instituto de Biologia da Unicamp, a enfrentar problemas desde o mestrado.
"Eu recebi logo de cara muitas responsabilidades e comecei a achar que n�o daria conta, que era uma impostora. A impress�o que eu tinha era a de que esperavam de mim mais do que eu poderia dar. Cheguei a pensar em suic�dio."
Ap�s buscar ajuda psicol�gica e psiqui�trica –dentro e fora da universidade–, Rita superou a crise e conseguiu concluir o mestrado.
No doutorado, os problemas reapareceram. As responsabilidades se tornaram ainda maiores e os prazos mais apertados. "Eu entrei em desespero. Tive crises de p�nico. Sofria com ins�nia e n�o conseguia levantar de manh�."
Os sintomas, hoje, est�o sob controle, mas Rita conta que a doen�a deixou sequelas. "Terminei o mestrado h� tr�s anos e at� hoje n�o consegui abrir a minha disserta��o".
Segundo a estudante, problemas como o que ela enfrentou s�o encarados, dentro do ambiente acad�mico, como uma fraqueza. "Te tratam como se voc� n�o estivesse aguentando a press�o, n�o tivesse maturidade para o curso".
As dificuldades a fizeram ainda repensar sua situa��o profissional. "Por mais que eu goste das coisas que eu estudo, tenho s�rias d�vidas, n�o sei se devo continuar num meio que me machuca."
ORIENTADOR
Uma das figuras centrais para todo aluno da p�s-gradua��o � o orientador, o professor incumbido de ajud�-lo a concluir a tese e prepar�-lo para a pesquisa acad�mica.
Para Benedicto, seria importante que os orientadores estivessem atentos �s dificuldades de seus alunos. "Verificamos, por�m, que poucos t�m essa perspectiva. Em geral, eles enfatizam a produ��o do estudante e o pressionam para que atinja os resultados esperados".
Mas o oposto, isto �, o orientador ausente, pode ser t�o prejudicial quanto o exigente demais. "Eu escuto muitos alunos angustiados porque queriam algu�m que lhes desse um cronograma de atividades, um prazo para fazer as coisas", diz T�nia de Mello.
"N�o se trata de transformar a figura do orientador num terapeuta, mas me parece fundamental que ele tenha sensibilidade �s caracter�sticas de cada aluno", diz Benedicto.
CRISE ECON�MICA
As incertezas quanto ao futuro profissional, que acompanham quase todo estudante de p�s-gradua��o, tornam-se ainda mais agudas num momento de crise como o atual, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem.
Neste ano, os recursos para a ci�ncia, que j� vinha em rota descendente, foram cortados em cerca de 40%, tornando-se os menores em mais de uma d�cada.
Al�m disso, as universidades federais t�m reduzido drasticamente as obras, atividades de pesquisas e concursos para novos docentes.
Do R$ 1,5 bilh�o inicialmente previsto no or�amento para as federais investirem –valor um ter�o menor do que 2016–, apenas 60% foram liberados at� o momento.
"Vejo os estudantes mais ansiosos diante dessa pol�tica de cortes. As ag�ncias de fomento t�m restringido as bolsas e isso os afeta diretamente, inclusive o pr�prio envolvimento com o trabalho. Isso tamb�m os deixa com uma perspectiva pessimista em rela��o �s possibilidades da carreira acad�mica", diz Eduardo Benedicto, psic�logo da USP de Ribeir�o Preto.
T�nia de Mello, psiquiatra da Unicamp, vai na mesma linha. "Percebemos no atendimento ao estudante como a conjuntura econ�mica os deixa ansiosos e angustiados".
Trata-se de uma situa��o enfrentada pela pesquisadora Luciana Franci, 31, que hoje faz p�s-doutorado –atuando como pesquisadora– na Universidade Federal do Paran�.
Franci, especialista na �rea de biologia vegetal, conta que, embora n�o tenha tido maiores problemas durante o doutorado, teve crises graves de depress�o e ansiedade ap�s o t�rmino do curso, em fevereiro de 2016.
"Bateu aquela incerteza sobre o que eu faria a seguir, j� que os concursos nas universidades estavam parados e as bolsas de p�s-doutorado n�o estavam sendo concedidas. Tive uma sensa��o de estagna��o, de ter perdido tempo fazendo doutorado".
Ela diz que, ent�o, teve de voltar por um per�odo para a casa dos pais e caiu em depress�o profunda, sem conseguir sair de casa ou conversar com as pessoas por semanas.
Hoje, contudo, est� melhor. "Estou fazendo um tratamento com psiquiatra h� mais de um ano."
A pesquisadora conta que a desola��o quanto ao futuro � muito comum entre seus colegas. "N�o temos perspectiva de que o cen�rio v� melhorar nos pr�ximos anos. Vejo muita gente na p�s-gradua��o se perguntando 'para onde isso vai?', ' o que vou fazer depois?'".
T�nia de Mello aponta que existe muita oferta e est�mulo para estudantes cursarem a p�s-gradua��o, mas que n�o se est� parando para pensar nas perspectivas da carreira acad�mica.
ESTAT�STICAS
Apesar da import�ncia do tema, h� poucas pesquisas sobre a influ�ncia da p�s-gradua��o sobre a sa�de mental dos estudantes. Uma delas foi feita com alunos da UFRJ e publicada em 2009 no peri�dico "Psicologia em Revista".
Ap�s entrevistas com 140 estudantes de todos os centros da universidade carioca, os pesquisadores conclu�ram que 58,6% dos alunos apresentavam n�veis m�dio e alto de estresse.
Um estudo publicado neste ano na B�lgica com quase 3.700 estudantes de doutorado mostrou que um ter�o deles estava sob alto risco de desenvolver uma patologia como a depress�o. A taxa, segundo a pesquisa, � mais do que o dobro da apresentada por grupos de compara��o fora da universidade.
T�nia de Mello diz que, embora seja dif�cil extrapolar tais resultados para os estudantes daqui, todos os fatores considerados no artigo como debilitadores da sa�de mental do aluno de doutorado est�o presentes na realidade brasileira.
Ela acrescenta ainda um dado a mais que comp�e o quadro nacional: "a vulnerabilidade socioecon�mica de alunos que n�o t�m as bolsas aumentadas h� anos".
O governo federal paga, desde 2013, R$ 1.500 para estudantes de mestrado e R$ 2.200 para os de doutorado, por sua dedica��o exclusiva � pesquisa.
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Muitos p�s-graduandos enfrentam estresse, depress�o, ansiedade e outros transtornos mentais durante o mestrado ou doutorado. � o seu caso? Conhece algu�m que passou por alguma dessas situa��es? Mande seu relato para a gente (ele pode ser an�nimo): saude@grupofolha.com.br
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