SAIU NO NP: Garotos oferecem, nas cal�adas de SP, programas para madames
Nos anos 70, uma s�rie de seis reportagens publicadas no "Not�cias Populares" trouxe a p�blico o "trottoir" em S�o Paulo, pr�tica na qual homens vendiam seus corpos a mulheres sedentas de amor.
Os rep�rteres Nelson del Pino e Guaraci Leme acompanharam e viveram entre os rapazes que protagonizavam o "trottoir", palavra francesa que quer dizer cal�ada, lugar por onde as pessoas passeiam e aproveitam para se conhecerem.
Apontados como atra��es noturnas pelas companhias de turismo do mundo inteiro, eles nasceram em Roma e se proliferaram na Fran�a, principalmente nos bairros chiques parisienses, como Saint Germain du Pr�s e Champs-�lys�es. Eles s�o os chamados "Call Boys", rapazes contratados por mulheres ricas, solteironas, infi�is, filhinhas de papai mediante o pagamento ap�s "programa", que podia durar uma hora ou uma noite inteira.
Guaracy Leme - 8.mai.1974/Folhapress |
'Call Boys' aguardam abordagem de cliente |
"Homens fazem 'troittor' no centro de S�o Paulo" abriu a s�rie publicada no "Not�cias Populares" em 7 de maio de 1974 e apresentou S�o Paulo como a primeira cidade do Brasil a importar esse g�nero de prostitui��o.
Para ser um desses homens bastava um bom vestu�rio, conhecimento de boates finas, amizades com pessoas bem situadas financeiramente e muita dedica��o e esfor�o. Duas coisas foram descritas como important�ssimas. A primeira delas, manter a linha e a boa apar�ncia, pois "freguesa atrai freguesia". A segunda, n�o se relacionar com homossexuais.
A reportagem do "NP" exp�s que nem sempre era f�cil identificar um "Call Boy". Abordar rapazes com as m�os na cintura, vestidos elegantemente com um casaco de couro e cal�a de veludo, � beira da cal�ada, e que olhavam atento aos carros que passavam em marcha lenta n�o eram garantia de que se tratava do alvo dos jornalistas.
"Como � que est� o movimento, muita mulher?", perguntou um dos rep�rteres do "NP". O rapaz olhou atentamente, abotoou o casaco e respondeu: "Sai dessa chato, meu neg�cio � outro".
O encontro dos rep�rteres ocorreu em uma zona inesperada, no caminho da avenida Ang�lica com a Paulista. Nesse trajeto, avistaram jovens justamente na posi��o de conquistadores. E um rapaz de �culos mostrou-se acess�vel ao contato. "J� sei o que querem. Mas, pelo amor de Deus, escondam essa caranga comercial. J� viu, meu chapa, com voc�s aqui n�o pinta ningu�m..."
Sem o carro vis�vel, os rep�rteres acompanharam o rapaz, que alisava a todo momento o cabelo que caia nos ombros e n�o se mostrava muito favor�vel �s fotos. Mas s� fez restri��o quando lhe perguntaram sobre as "freguesas". "Sigilo, ou �tica profissional, como queiram. Nomes, n�o...", respondeu o jovem.
Reprodu��o | ||
Em 7 de maio de 1974, o "Not�cias Populares" iniciava a s�rie de reportagens sobre os Call Boys |
Assim ficaram at� que um carro apareceu na escurid�o. � primeira vis�o do ve�culo, os "Call Boys" ajeitavam a gola da camisa e se preparavam para a abordagem –nesse momento o fot�grafo do "NP" teve que se esconder a pedido dos "donos" do peda�o.
Antes de entrar no carro, o rapaz tirou os �culos, olhou para os rep�rteres e piscou sorridente.
O primeiro contato com o grupo motivou a reportagem do "NP" insistir na hist�ria.
Em 8 de maio de 1974, na segunda manchete da s�rie ("Call Boy n�o quer ser confundido com gigol�"), o jornal revelou a situa��o da vida dos rapazes ap�s um bate-papo informal e dif�cil com um dos garotos em uma lanchonete da rua Peixoto Gomide.
Ap�s ter sido indagado sobre o porqu� de ter optado por aquela rotina e se ela compensava, o rapaz explicou que passava por uma situa��o dif�cil financeiramente e por isso esperava clientes ricas, que em geral o procuravam por mais de uma vez.
Apesar das semelhan�as, todos os "Call Boys" faziam quest�o de dizer que, mesmo realizando programas com solit�rias damas, n�o se tratavam de gigol�s.
Participar da rotina dos "Call Boys" fez com que os rep�rteres do "NP" extra�ssem hist�rias para a terceira manchete da s�rie, publicada em 9 de maio. Em "'Call Boy' diz porque � perseguido por madames", o jornal publicou a trajet�ria de Ren�e Mauro, ent�o com 29 anos, nascido em Lins (SP), que, em uma casa noturna na Rego Freitas, contou sua inf�ncia no Circo Garcia.
Com o pai gerente do circo e a m�e atriz, o garoto se sentiu estimulado a ser artista. A busca pelo estrelato, por�m, o tornou um "Call Boy". Ap�s passar pelo Rio e pelo Teatro de Revistas, foi na capital paulista que se envolveu com uma mulher que pagou pela sua companhia. "Foi tudo muito bom, mas acabou...", foi o bilhete que encontrou na manh� seguinte, com Cr$ 200, e que fez descobrir seu novo talento. "Sei l�. Cada um carrega a sua cruz. A minha s�o as mulheres", afirmou Ren�e.
Mas nem todo mundo do meio tinha vivido uma aventura. Em "Call Boy se apaixona e mata esposa de advogado", no dia 10 de maio, o argentino M�rio Juan Dominguez Gomez exp�s um tri�ngulo amoroso turbinado por drogas e que teve como ingrediente at� assassinato.
Viciado em maconha, Dominguez come�ou a morar com um casal: o advogado Pedro Paulo Lavigne e sua mulher, Florinda Mirzrahy Lavigne. Ap�s se apaixonar pela mo�a, o argentino planejou fugir com ela, mas, flagrado pelo marido, atirou em Florinda e tentou se matar.
Florinda morreu, e o "Call Boy" argentino teve que passar uma temporada na pris�o.
Guaracy Leme - 7.mai.1974/Folhapress |
'Call Boy' conversa com poss�vel cliente na noite paulistana |
A repercuss�o desta entrevista, aliada a outros relatos de sumi�o de rapazes e a golpes aplicados contra as mulheres, levou a pol�cia a investigar os "Call Boys".
A quinta manchete da s�rie do "NP" evidenciou a atua��o policial. Em "Autoridades querem acabar com a onda de 'call boys'", de 11 de maio, mostrou que a preocupa��o com drogas, viol�ncia, prostitui��o e envolvimento de jovens refor�ou a vigil�ncia e motivou o Conselho da Magistratura a revogar a permiss�o de menores frequentarem casas noturnas e bailes.
A s�rie chegou ao fim em 12 de maio, com "'Call Boy' quer trocar boa vida pelo casamento", em que Juan Carlos de Le�n, ex-hippie da cidade uruguaia de Maldonado, revelara a desilus�o de jovem imigrante, que, em busca de uma vida melhor, deparou-se com a fome, a solid�o e sentiu-se acolhido por mulheres que buscavam uma companhia na noite paulistana. E guardava um sonho: o de se casar com uma delas.
Foram seis dias em que os "Call Boys" deixaram de ser garotos em esquinas e casas noturnas para ganhar rostos e vida no "Not�cias Populares".
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