Perfil: Donald Trump

Milion�rio desde o ber�o, Trump nasceu em reality show

Donald Trump anuncia a constru��o de um hotel de 100 milh�es de d�lares, em foto de 1976 John Pedin/NY Daily News/Getty Images
Donald Trump anuncia a constru��o de um hotel de US$ 100 milh�es, em foto de 1976

S�RGIO D�VILA
EDITOR-EXECUTIVO

O ex-governador do Estado de Nova York Mario Cuomo disse certa vez que as campanhas eleitorais s�o poesia, e os governos, prosa.

Se a defini��o se aplicasse � disputa de Donald Trump pela Casa Branca, sua poesia seria rap —desbocado, nervoso, provocador—, e sua prosa, literatura de autoajuda —muitas promessas com pouco lastro real.

N�o faltaram xingamentos e ofensas ao longo dos 16 meses em que o bilion�rio cruzou o pa�s vendendo-se como bom gestor e pol�tico antiestablishment. O jornal "The New York Times" compilou 282 pessoas ou organiza��es atingidas no per�odo pelos coment�rios negativos dele apenas em sua conta numa rede social.

Sobre a oponente democrata, Hillary Clinton: "Que mulher nojenta!"; sobre ela e o marido, o ex-presidente Bill Clinton: "Ela n�o consegue satisfaz�-lo, como vai satisfazer os Estados Unidos?"; sobre Barack Obama: "O pior presidente da hist�ria dos EUA"; sobre a elei��o presidencial: "Fraudada"; sobre a imprensa em geral: "Desonesta e enviesada".

J� suas promessas acenam com um pa�s em que haver� menos impostos para todos e pleno emprego para trabalhadores de m�dia ou baixa qualifica��o, os mais atingidos pela crise —mesmo que para isso ele tenha de alienar dois dos principais parceiros comerciais dos EUA, a China e o M�xico.

Os novos postos de trabalho viriam basicamente de duas a��es: expuls�o dos 11 milh�es de imigrantes ilegais que vivem nos EUA, seguida da constru��o de um muro na fronteira sul do pa�s, e aumento substancial da tarifa de importa��o sobre produtos chineses.

O plano de governo prev� ainda aproxima��o maior com a R�ssia de Vladimir Putin, mudan�a na pol�tica de conten��o nuclear mundial praticada nas �ltimas d�cadas por Washington e tratamento do aquecimento global como um "boato inventado pela China".

A inconst�ncia do que fala e o radicalismo do que defende fazem de Trump um candidato imposs�vel, num partido improv�vel e —segundo as pesquisas de opini�o mais recentes, que o aproximam de Hillary Clinton— numa coloca��o inesperada.

Donald John Trump nasceu em 14 de junho de 1946 no bairro do Queens, em Nova York, o quarto de cinco filhos de uma fam�lia de descendentes de alem�es. Seu pai era um empreendedor imobili�rio austero que fez fortuna construindo apartamentos populares subsidiados pelo governo do Estado.

Completou o ensino m�dio numa academia militar e formou-se na prestigiosa escola de finan�as Wharton, na Universidade da Pensilv�nia. Em 1975, ganhou US$ 1 milh�o de seu pai (US$ 4,5 milh�es em valores atualizados, ou R$ 14,4 milh�es) para poder entrar ele pr�prio no ramo da constru��o civil.

Nos anos seguintes, ganhou e perdeu milh�es em empreendimentos como as Trump Towers, pr�dios opulentos e dourados cujo exemplar mais conhecido est� at� hoje na Quinta Avenida, no cora��o de Manhattan, ou o cassino Taj Mahal, em Atlantic City (Nova Jersey), que faliu.

O tamanho de sua fortuna � objeto de pol�mica. Rompendo com uma regra n�o escrita entre os postulantes � Casa Branca nas �ltimas d�cadas, Trump n�o tornou p�blica sua declara��o de imposto de renda. Reportagens afirmam que ele deve cerca de US$ 700 mil (R$ 2,24 milh�es) ao fisco, o que ele nega.

Em entrevistas e com�cios, ele afirma frequentemente que seus bens somam US$ 10 bilh�es (R$ 32 bilh�es). Levantamento de setembro da revista "Forbes", no entanto, estima o total em pouco mais de um ter�o disso: US$ 3,7 bilh�es (R$ 11,84 bilh�es), uma queda de US$ 800 milh�es (R$ 2,56 bilh�es) em rela��o a levantamento da publica��o do ano anterior.

Sua celebridade veio principalmente da s�rie de reality show "The Apprentice", que ganhou uma vers�o brasileira, "O Aprendiz", na qual popularizou a frase de efeito "You are fired!" (voc� est� demitido), usada para eliminar os aspirantes a um emprego em suas organiza��es a cada rodada da competi��o.

A fama veio tamb�m de suas companhias femininas, tr�s das quais viraram suas mulheres, duas delas ex-modelos. Com a atual, a eslovena naturalizada americana Melania Trump, 24 anos mais jovem que ele, Trump casou-se em janeiro de 2005, numa festa � qual compareceu o casal Hillary e Bill Clinton. Com ela teve um filho, Barron, 10, o quinto dele e primeiro dela.

Mulherengo e sexista, Trump j� chamou de "miss Piggy" uma competidora com peso acima da m�dia do concurso de Miss Universo, do qual ele detinha os direitos. Em outubro, o jornal "The Washington Post" revelou um v�deo de 2005 em que Trump comenta, nos bastidores de uma entrevista, que agarra "as mulheres pela xoxota". E completa: "Quando voc� � famoso, elas deixam".

Desde ent�o, v�rias mulheres vieram a p�blico relatar desde atitudes consideradas machistas at� casos de suposto ass�dio sexual envolvendo o candidato. Ele nega as acusa��es, e as atribui em grande parte ao que chama de vi�s da m�dia contra ele e a favor de Hillary.

Paradoxalmente, pode ter sido a leni�ncia inicial da mesma m�dia um dos fatores que o fizeram chegar � reta final da corrida entre os concorrentes republicanos, ao mant�-lo abaixo do radar do escrut�nio p�blico, que s� viria depois de se tornar o candidato oficial.

Segundo levantamento do centro de estudos de m�dia Shorestein, da Universidade Harvard, enquanto era pr�-candidato, Trump foi objeto de reportagens de teor preponderantemente positivo, enquanto seus oponentes sofreram o inverso.

Ao longo de 2015, de acordo com o estudo, Trump foi tratado como uma celebridade inofensiva por n�o ter chances reais de vit�ria, um personagem pitoresco que n�o deveria ser levado a s�rio.

Analisou-se o notici�rio das emissoras CBS, NBC e Fox e dos jornais "The New York Times", "The Washington Post", "The Wall Street Journal", "USA Today" e "L.A. Times".

Se vitorioso na ter�a que vem, Trump ser� o primeiro ne�fito em pol�tica a ocupar a Casa Branca nos tempos modernos. Afinal, apesar de ter sido filiado aos dois partidos majorit�rios, Republicano e Democrata, bem como ao nanico Reformista, nunca exerceu cargo pol�tico ou p�blico.

Outros pioneirismos atribu�dos a ele s�o relativos. Em 1964, o senador Barry Goldwater tamb�m foi escolhido candidato republicano com uma plataforma radical. Abandonado igualmente pelos l�deres de seu partido, acabou derrotado pelo democrata Lyndon Johnson.

E antes dele outro candidato j� amea�ara n�o aceitar o resultado das elei��es, caso perdesse. Em 1824, Andrew Jackson foi derrotado por John Quincy Adams, que se tornaria o sexto presidente dos EUA. Como Trump, ele tamb�m se dizia um "outsider", afirmando que o mundo pol�tico tinha se corrompido. Contestou por meses a vit�ria de seu oponente.

Numa analogia poss�vel com o Brasil, pelos neg�cios pol�micos, as declara��es disparatadas, a fama televisiva e o protagonismo do cabelo, Donald Trump candidato � o que seria Silvio Santos se o apresentador tivesse batido os caciques Geraldo Alckmin, A�cio Neves e Jos� Serra numa hipot�tica pr�via tucana e fosse escolhido o nome do PSDB para concorrer � Presid�ncia do Brasil.

J� Donald Trump eleito n�o tem compara��o, no Brasil ou no resto do mundo.