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    Como o turismo da ayahuasca est� prejudicando os povos ind�genas da Amaz�nia

    ANN BABE
    DA VICE

    30/05/2016 07h00

    Wikimedia Commons
    Como o turismo da ayahuasca est� prejudicando os povos ind�genas da Amaz�nia.Preparado da ayahuasca. Foto via Wikimedia Commons.
    Preparado da ayahuasca. Foto via Wikimedia Commons.

    Cada vez mais nos �ltimos dez anos, turistas t�m viajado para a Amaz�nia para conhecer um dos elixires mais not�rios da regi�o: a ayahuasca. Na selva, a mistura de plantas � o "vinho da alma" ou o "vinho dos mortos", dependendo de para quem voc� perguntar. Nos EUA, essa � uma droga classe 1. A bebida foi popularizada como uma experi�ncia alucin�gena capaz de mudar a vida das pessoas –um barato sem compara��o.

    A ayahuasca atrai gringos para a Amaz�nia por v�rios motivos. Alguns buscam o pr�prio grande despertar espiritual; alguns querem ser curados de doen�as e v�cios cr�nicos. Outros a experimentam para se recuperar de um luto debilitante, para combater ansiedade, ou apenas para chapar com o santo graal das drogas. E para atender a demanda, centenas de retiros de ayahuasca brotaram no territ�rio amaz�nico, do Peru ao Brasil.

    Mas enquanto os turistas deliram com os intoxicantes poderes da droga, nem todos os povos amaz�nicos est�o felizes com a ascens�o do turismo da ayahuasca.

    Vidal Jaquehua, um quechua, se preocupa com como o turismo da ayahuasca est� mudando sua regi�o. Nascido e criado nas terras altas de Cusco, Peru, Jaquehua comanda uma ag�ncia de viagem chamada Adios Adventure Travel, mas tomou a decis�o consciente de n�o oferecer retiros de ayahuasca, apesar do interesse do p�blico.

    "O nome j� nos diz que esse � o vinho dos mortos, ent�o voc� n�o deve brincar com ele", me disse Jaquehua. "N�o oferecemos esse tipo de viagem porque respeitamos nosso povo, os costumes, as tradi��es, e acreditamos que h� rituais praticados no mundo todo que precisam ser compreendidos e respeitados."

    A filosofia de Jaquehua sempre foi "quem quiser que pratique, mas n�o envolvo meus neg�cios nisso". Mas muitos outros –estrangeiros e nativos– est�o fazendo exatamente isso, abrindo retiros de ayahuasca que �s vezes administram a bebida potente para os turistas sem as precau��es necess�rias.

    "Com a ayahuasca se tornando mais e mais popular com os turistas estrangeiros –e ao mesmo tempo, menos popular com os pr�prios �ndios–, descobrimos que pseudoxam�s surgiram por toda parte para atender a demanda", disse Valerie Meikle, mestre de Reiki e curandeira hol�stica em Bogot�, que viu a ascens�o desses pseudoxam�s em sua �rea. "Isso significa que os rituais de ayahuasca obviamente perderam alguns de seus poderes originais, e que frequentemente as cerim�nias s�o adaptadas para estrangeiros que est�o dispostos a pagar caro por rituais de mequetrefes."

    Esse tipo de empreendimento preocupa alguns grupos de direitos ind�genas. A Cultural Survival, uma ONG de Massachusetts que faz parceria com povos ind�genas para proteger suas culturas, est� entre as que se op�em publicamente ao turismo de ayahuasca.

    Enquanto alguns argumentam que a comercializa��o da ayahuasca abastardou o ritual, outros afirmam que isso trouxe uma aten��o que a regi�o necessitava. O interesse renovado na ayahuasca tem abastecido um tipo de renascen�a cultural, com mais jovens locais se interessando por tradi��es antigas e quase esquecidas. E a ascens�o dos retiros de ayahuasca trouxe dinheiro para uma das regi�es mais pobres do mundo. Cidades inteiras, como Iquitos, no Peru, reconstru�ram suas economias com o turismo de ayahuasca, e o pa�s proclamou a bebida como parte de sua heran�a cultural.

    "A pessoa ser amaz�nica n�o � nenhuma garantia de que ela est� qualificada ou tem boas inten��es", disse Luis Eduardo Luna, um antrop�logo e pesquisador de ayahuasca que nasceu na Amaz�nia Colombiana.

    "Do mesmo jeito, um estrangeiro ou n�o amaz�nico n�o est� necessariamente fazendo sess�es apenas por dinheiro. No nosso mundo globalizado, qualquer um pode aprender e ensinar os outros."

    Mas vale a pena perguntar: no final das contas, quem est� realmente se beneficiando disso e para onde v�o os lucros?

    "Os povos ind�genas da Amaz�nia est�o entre os mais pobres e marginalizados do mundo", disse Vela, que trabalha para a organiza��o Yageceros, uma parceria entre Reino Unido e Col�mbia que visa preservar a cultura tradicional dos grupos ind�genas da Amaz�nia Colombiana. Enquanto muitos xam�s (tanto estrangeiros como nativos, reais ou pseudo) empregam ind�genas e contribuem com a comunidade local, muitos n�o fazem nada disso.

    "O crescimento do turismo da ayahuasca e sua popularidade no exterior t�m o potencial de destacar essas quest�es, mas s� se aceitarmos a responsabilidade e trabalharmos juntos", disse Vela. "Isso est� deixando algumas pessoas muito ricas, mas as comunidades ind�genas onde essas pr�ticas se originaram continuam a viver na pobreza e sob risco de v�rios problemas ambientais e sociais."

    A ascens�o da ayahuasca a propor��es folcl�ricas acabou gerando ideais, expectativas e estere�tipos que os consumidores estrangeiros agora associam a ela. Alguns locais, na tentativa de atender as demandas dos turistas, est�o alterando suas tradi��es para se conformar � imagem constru�da pelos estrangeiros, mesmo se isso trai a autenticidade de sua cultura. Em 1999, uma declara��o da Uni�o Ind�gena de Curandeiros de Ayahuasca da Amaz�nia Colombiana j� apontava que "mesmo alguns dos nossos irm�os ind�genas n�o respeitam os valores do nosso rem�dio, e saem por a� enganando pessoas, vendendo s�mbolos das nossas cidades".

    Outros moradores locais, cuja cultura ind�gena n�o inclu�a originalmente a ayahuasca, est�o seguindo o exemplo dos estrangeiros e adotando a tradi��o como uma maneira de fazer dinheiro. A apropria��o nativa vem se espalhando pela Amaz�nia. Jaquehua aponta que sua cidade natal, Cusco, � um exemplo: "Quando os moradores daqui veem um cartaz de cerim�nia de ayahuasca, eles dizem 'Esse ritual n�o era feito apenas na selva?' As pessoas fazem qualquer coisa por dinheiro".

    p(tagline) Tradu��o de MARINA SCHNOOR

    Leia no site da Vice: Como o turismo da ayahuasca est� prejudicando os povos ind�genas da Amaz�nia

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