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    o impeachment

    Julgamento pol�tico n�o � vale-tudo, afirma professor de direito da USP

    RODRIGO RUSSO
    DE S�O PAULO

    17/04/2016 02h00

    Para Virg�lio Afonso da Silva, 42, professor titular de direito constitucional da USP, a contraposi��o que tem sido feita quando se fala no impeachment de Dilma –processo democr�tico versus golpe– � "simplista demais para ter alguma utilidade".

    Sem estar convencido de que as pedaladas fiscais sejam crime de responsabilidade, o professor faz ainda uma cr�tica � profus�o de opini�es no mundo jur�dico sobre o processo: "Do dia para a noite, todos parecem ter se tornado especialistas em impeachment. Se o direito e os juristas t�m um papel a cumprir, esse papel � uma an�lise s�bria, bem informada e consistente dos problemas".

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida � Folha por e-mail.

    *

    Folha - A presidente enfrenta um processo de impeachment. Esse � o mecanismo adequado ou faltam fundamentos para justific�-lo?
    Virg�lio Afonso da Silva - O impeachment � instrumento dr�stico. Ao contr�rio do que muitos pensam, n�o � poss�vel compar�-lo ao recall, existente em alguns pa�ses [referendo revogat�rio no meio do mandato]. Diga-se, ali�s, que em quase nenhum pa�s existe recall contra o presidente. Tampouco � poss�vel comparar impeachment ao voto de desconfian�a dos sistemas parlamentaristas.

    N�o se pode, no nosso sistema constitucional, derrubar um governo simplesmente porque n�o se concorda com sua pol�tica. � necess�rio que tenha havido crime de responsabilidade.

    Por outro lado, o convencimento de cada deputado ou senador acerca do cometimento de crime de responsabilidade � expresso de forma claramente pol�tica: por meio do seu voto no plen�rio.

    Mas isso n�o significa que julgamento pol�tico � sin�nimo de vale-tudo. A baixa popularidade da presidente e do seu partido n�o s�o raz�es suficientes para um impeachment. Mais do que isso: os resultados da Opera��o Lava Jato tamb�m n�o. A Lava Jato e seus desdobramentos judiciais investigam crimes comuns e, at� agora, n�o ligados � presidente. S�o coisas distintas, mas que muita gente tem misturado.

    Como se v�, a quest�o � extremamente complexa. Por isso, a contraposi��o que tem sido feita quando se fala em impeachment –processo democr�tico vs. golpe– � simplista demais para ter alguma utilidade.

    H� processos mais e menos leg�timos. Seja porque o cometimento do crime de responsabilidade pode ser mais claro em um caso do que em outro, seja porque aqueles que julgam (a C�mara e o Senado) podem estar em um momento de maior ou menor legitimidade.

    No contexto atual, o fato de o presidente da C�mara ser um dos investigados da Lava Jato � um fator que, sem transform�-lo necessariamente em golpe de Estado, claramente arranha a legitimidade do processo.

    N�o faltaria proporcionalidade entre o crime da pedalada fiscal e a perda do mandato e oito anos sem exerc�cio de fun��es pol�ticas?
    A suspens�o de direitos pol�ticos �, de fato, medida dr�stica, uma puni��o. N�o � s� a derrubada de um governo, como no parlamentarismo. Mas se se entende que o crime de responsabilidade � algo grav�ssimo, talvez a pena n�o seja desproporcional.

    Mas o inc�modo que sua pergunta expressa talvez seja um ind�cio de que � duvidoso se as pedaladas fiscais s�o, de fato, crime de responsabilidade e raz�o para um impeachment. N�o estou convencido de que sejam, mas n�o h� como, nesta breve entrevista, analisar a fundo essa quest�o.

    Mas � poss�vel abordar a quest�o a partir de outro enfoque. � pac�fico que todos os presidentes, ao menos desde FHC, usaram as pedaladas fiscais. Isso tem que ser levado em conta.

    Quem argumenta que n�o punir todos n�o � raz�o para n�o punir ao menos um (a presidente Dilma) faz um paralelo com a seguinte situa��o: nem todos os ladr�es s�o punidos, mas isso n�o impede de punirmos alguns deles. O problema � que todo ladr�o sabe que roubar � crime e muitos sabem at� mesmo o tamanho da puni��o.

    No caso das pedaladas, o fato de elas terem sido feitas por todos os presidentes e, sobretudo, terem sido vistas como algo aceit�vel cria uma expectativa de que � poss�vel continuar a faz�-las. Consider�-las, de uma hora para outra, crime de responsabilidade, � um problema s�rio.

    � claro que eu estou ciente de que as pedaladas fiscais feitas por FHC foram imensamente menores do que aquelas feitas pela Dilma. N�o h� d�vidas de que isso � relevante, mas n�o para decidirmos se houve ou n�o crime.

    Caso o processo v� adiante e termine por depor Dilma, que cen�rio vislumbra para o pa�s?
    � imposs�vel prever. Um impeachment tende a ser algo traum�tico, n�o s� para quem perde o mandato e tem direitos pol�ticos suspensos, mas para as institui��es como um todo e para o pa�s.

    No caso do impeachment do Collor, contudo, foi um processo de aprendizado e at� mesmo de fortalecimento das institui��es.

    O contexto hoje � bastante distinto, com a sociedade mais dividida. Um eventual p�s-impeachment � muito mais imprevis�vel e complexo do que no caso do Collor.

    Quais as li��es institucionais que o pa�s deveria aprender?
    Vou dar uma resposta que se refere apenas ao mundo jur�dico. Problemas complexos exigem respostas baseadas em reflex�es profundas, em estudo, n�o em palpites.

    Passado o impeachment do Collor, o mundo jur�dico parece ter se esquecido de que esse tema existia. Mas o que j� era complexo em 1992 ficou ainda mais complexo agora. Por exemplo: hoje h� reelei��o para a Presid�ncia.

    Ningu�m se preocupou com isso. Que eu saiba, ningu�m estudou o assunto, nenhuma linha foi escrita sobre isso. Quando a crise estourou, contudo, muitos juristas se apressaram em dar respostas perempt�rias.

    Do dia para a noite, todos parecem ter se tornado especialistas em impeachment. Seja para dizer que � �bvio que atos do primeiro mandato podem embasar impeachment, seja para dizer que � �bvio que n�o podem. Mas n�o h� nada de �bvio aqui.

    A li��o para mim � clara: se o direito e os juristas t�m um papel a cumprir, esse papel, especialmente em momentos de extrema polariza��o pol�tica, � uma an�lise s�bria, bem informada e consistente dos problemas. N�o h� espa�o nem para diletantismo nem para discurso pol�tico-partid�rio disfar�ado de argumento jur�dico.

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