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    An�lise

    L�der militar misterioso, mul� Omar comandou regime aberrante

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRAS�LIA

    29/07/2015 10h11

    A morte de Mohammed Omar representa um cap�tulo final e nebuloso na mais misteriosa vida de um l�der militar e pol�tico no s�culo 21.

    Virtualmente sumido ap�s a queda do governo do Taleban, sua influ�ncia permanecia largamente simb�lica –assim como, crescentemente, � o poder do grupo que governou o Afeganist�o entre 1996 e 2001.

    BBC
    Afeganist�o anuncia morte de mul� Omar, aliado n� 1 de Bin Laden
    Afeganist�o anuncia morte de mul� Omar, aliado n� 1 de Bin Laden

    Seu desaparecimento poder� ensejar dois cen�rios: uma radicaliza��o da lideran�a taleban ou sua aproxima��o final do teatro pol�tico institucional do Afeganist�o. Pelos movimentos mais recentes, a segunda hip�tese parece mais prov�vel.

    A escolha do sucessor ser� feita sob a gest�o da shura de Quetta, a assembleia de not�veis talebans abrigada sob os ausp�cios do servi�o secreto paquistan�s na cidade fronteiri�a de mesmo nome. Provavelmente a decis�o j� foi feita, para ser apresentada como fato consumado.

    Mul� Omar era uma rel�quia de outra era. Se hoje qualquer a��o do Estado Isl�mico � filmada em alta defini��o e postada imediatamente na internet, dele n�o h� nem fotografias confi�veis.

    A mais famosa mostra um sujeito imponente (dizem que com 1,98 m), com um olho destro�ado por estilha�os em combate, barba longa e negra e turbante. E s�.

    Por todas suas atrocidades, e foram incont�veis, o regime aberrante do Taleban no Afeganist�o soa moderado quando comparado ao autoproclamado califado do Estado Isl�mico na S�ria e no Iraque.

    DECAD�NCIA

    A decad�ncia da influ�ncia do Taleban tamb�m preocupava a lideran�a do grupo, tanto que uma in�dita biografia romanceada da vida de Omar foi editada este ano na internet para tentar inspirar jovens militantes a n�o se influenciar pelo car�ter ultra-radical do grupo �rabe.

    Dentro do Afeganist�o, o Taleban ainda � o principal ator fora do governo. Mas os anos fora do poder assistiram a subdivis�es em linhas tribais t�picas da pol�tica local. Do outro lado da fronteira, no Paquist�o, seu primo hom�nimo virou guarda-chuva para extremistas de todo tipo, inclusive afiliados ao Estado Isl�mico.

    Nos anos 1990, a lideran�a da rede terrorista Al Qaeda foi expulsa do Sud�o e buscou ref�gio com o Taleban, Osama bin Laden � frente. A associa��o, baseada nos princ�pios tribais de hospitalidade, foi fatal para o grupo que comandava 90% do territ�rio afeg�o com m�o de ferro.

    O 11 de Setembro, bolado por Bin Laden em solo afeg�o, levou os EUA a derrubarem o Taleban, a coisa mais pr�xima de uma inimigo reconhec�vel naquele momento.

    Agora, enfraquecido mas ainda muito importante, o grupo busca diferenciar-se do Estado Isl�mico –que, como a Al Qaeda, � uma franquia que serve ao gosto do fregu�s em lutas diferentes.

    Al�m disso, o Taleban �, apesar de seu hist�rico extremista, um t�pico grupo nacionalista da etnia pashtun. Busca controle territorial e poder secular em uma �rea que foi recortada de forma artificial pela coloniza��o brit�nica dos s�culos 19 e 20. � visto como um ator pol�tico inevit�vel no futuro de m�dio prazo do Afeganist�o, para desespero de Washington.

    Por ora, mant�m-se na ofensiva, com os ataques terroristas regulamentares. A sa�da de cena do mul� Omar certamente est� sendo administrada pelo Paquist�o, pa�s que n�o quer perder a influ�ncia sobre o vizinho desde que ajudou a fomentar o Taleban nos anos 90.

    O motivo � simples: Islamabad precisa de um aliado �s suas costas no conflito estrat�gico que trava desde os anos 1940 com a rival �ndia. N�o pode, na cabe�a dos generais, tolerar advers�rios abertos dos dois lados de suas fronteiras.

    Omar provavelmente morava sob a jurisdi��o da shura de Quetta, abrigado pelo ISI (servi�o secreto militar do Paquist�o).

    Isso garantiu seu anonimato, quebrado apenas por eventuais declara��es atribu�das a si, desde 2001.

    NASCIMENTO

    Tudo condizente com sua hist�ria, imprecisa ao extremo. Sabe-se que nasceu em algum momento no fim dos anos 50, talvez come�o dos 60, perto de Nodeh, um vilarejo miser�vel na regi�o de Candahar –a principal cidade do sul afeg�o e "capital" da etnia pashtun, majorit�ria no pa�s e da qual fazia parte.

    Filho de camponeses, Omar n�o recebeu educa��o formal, apenas religiosa e ainda assim incompleta. Nos anos 80, fugindo da guerra entre os mujahedin ("guerreiros santos" isl�micos) contra os invasores sovi�ticos, sua fam�lia foi parar na prov�ncia de Urozgan, um dos lugares mais remotos de um pa�s ent�o quase inacess�vel.

    Com a morte do pai, voltou � regi�o de Candahar para buscar emprego. Acabou tornando-se o mul� (l�der religioso local) da vila de Singesar. Tomou partido na guerra civil que se seguiu � queda do regime afeg�o que sobreviveu � invas�o da Uni�o Sovi�tica (1979-89), unindo-se aos guerrilheiros do Hizb-i-Islam.

    O agravamento da guerra civil levou o Paquist�o e a Ar�bia Saudita a financiar grupos de exilados afeg�os morando nas �reas tribais paquistanesas. Jovens, miser�veis e educados precariamente em madra�ais (escolas religiosas), eles ficaram conhecidos como "estudantes", "talibs" em pashtun. Viraram o Taleban, e aos poucos foram amalgamando apoios para disputar terreno na guerra.

    Omar montou seu grupo taleban dentro do pr�prio Afeganist�o, e ganhou fama como um comandante duro, mas justo.

    Sua reputa��o tornou-se nacional quando liderou um grupo de 30 "talibs" com 16 rifles para libertar duas meninas que eram feitas de escravas sexuais de um comandante tribal local, em 1994. Meses depois, interveio para salvar um garoto que era disputado para ser sodomizado por dois outros comandantes.

    Ironicamente, a liberdade de g�nero foi uma das maiores v�timas do regime que instalou dois anos depois ao tomar Cabul. Mulheres viraram seres sem direitos sob o Taleban, que visava emular a vida sob um califado do s�culo 7 –nesse sentido, n�o muito diferente dos fundamentalistas do Estado Isl�mico.

    Foi visto com desconfian�a por outros l�deres a quem subjugou, n�o menos porque era basicamente um campon�s semi-analfabeto e sem nenhuma linhagem tribal nobre para alegar.

    Mohammed Omar tornou-se l�der do Afeganist�o, de fato, no dia 4 de abril de 1996. Subiu ao telhado de um pr�dio no centro de Kandahar envolvido num manto que, como tantas outras rel�quias espalhadas pelo mundo mu�ulmano, dizem ser do profeta Maom�.

    Foi aclamado pela multid�o como "Amir-ul Monimeen", o "Comandante dos Fi�is", um t�tulo que remonta ao fundador do Islamismo e que n�o era ouvido na regi�o desde 1834.

    A partir da�, assumiu a lideran�a nas sombras que carregou at� o fim, nunca recebendo estrangeiros. A estilo dos imperadores japoneses at� 1945, era reverenciado como uma figura sagrada pelos seguidores e s� se comunicava por meio de intermedi�rios.

    Significativamente, n�o h� v�deos de Omar com o manto do profeta no You Tube.

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