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    M�dicos com defici�ncias ajudam a humanizar os atendimentos

    DHRUV KHULLAR
    DO "NEW YORK TIMES"

    19/07/2017 09h00

    Kayana Szymczak/"The New York Times"
    O m�dico Gregory Snyder, do Hospital Brigham and Women's, de Boston
    O m�dico Gregory Snyder, do Hospital Brigham and Women's, de Boston

    Quando �ramos crian�as, minha irm� nunca deixava nossos pais exibirem a placa azul de "pessoa com defici�ncia" no carro.

    Nascida prematura (seis meses), com paralisia cerebral, ela usa muletas nos antebra�os para se locomover. No shopping center, contudo, prefere atravessar meio quil�metro no estacionamento a usar as vagas perto da entrada, reservadas para deficientes. Isso me irrita especialmente na �poca das festas de fim de ano, quando um local dispon�vel para o carro � mais precioso do que os presentes que ser�o comprados nas lojas.

    Mas a perspectiva de menos estigma e mais apoio para pessoas com defici�ncias f�sicas foi uma das raz�es principais pelas quais minha fam�lia migrou para os Estados Unidos. Minha irm� nasceu no mesmo ano em que foi aprovada a Lei dos Americanos com Defici�ncias [ADA, ou Americans with Disabilities Act, de 1990], que reafirmou o compromisso moral e pr�tico do pa�s com a igualdade.

    Mais de 20% dos americanos, ou quase 57 milh�es de pessoas, t�m algum tipo de defici�ncia. Entre elas est�o 8% das crian�as do pa�s e 10% dos adultos n�o idosos. Embora a categoria m�dica se dedique a cuidar dos doentes, com frequ�ncia n�o faz o suficiente para atender �s necessidades desse segmento.

    As pessoas com defici�ncias t�m probabilidade menor de receber atendimento de rotina, incluindo exames preventivos para detectar c�ncer, vacinas contra gripe e exames odontol�gicos e oftalmol�gicos. Elas apresentam �ndices mais altos de riscos cardiovasculares que n�o recebem aten��o m�dica, como obesidade, tabagismo e hipertens�o.

    Comparados com adultos n�o deficientes que usam o Medicare [o programa federal de sa�de dos EUA], os deficientes que usam o Medicare t�m probabilidade duas vezes maior de deixar de buscar assist�ncia devido ao custo e tr�s vezes mais dificuldade em encontrar um m�dico que possa atender �s suas necessidades especiais.

    Kayana Szymczak/"The New York Times"
    O m�dico Gregory Snyder, do Hospital Brigham and Women's, de Boston
    O m�dico Gregory Snyder, do Hospital Brigham and Women's, de Boston

    A rea��o mais comum a esse tipo de situa��o � lan�ar um chamado para que o problema receba mais aten��o nos curr�culos das escolas de medicina. Essa talvez seja parte da solu��o. Mas j� assisti a m�dulos online e aulas presenciais pouco inspiradas em n�mero suficiente para reconhecer sua utilidade limitada.

    M�DICOS COM DEFICI�NCIAS

    Para os m�dicos e estagi�rios em medicina, algo que teria impacto muito maior seria que mais estudantes de medicina, mais colegas e mais mentores tivessem defici�ncias eles pr�prios, sendo pessoas que entendem exatamente como um impedimento espec�fico afeta ou n�o seu cotidiano.

    Com frequ�ncia, a barreira que impede o atendimento m�dico n�o � a defici�ncia em si, mas um sistema de sa�de mal equipado para lidar com ela: faltam transportes, equipamentos m�dicos acess�veis e m�todos seguros de transferir pacientes. Esses problemas estruturais podem ser agravados por problemas culturais: estigma, dificuldades de comunica��o e forma��o insuficiente de profissionais do setor.

    Em um estudo recente, pesquisadores telefonaram para mais de 250 cl�nicas de especialidades m�dicas para marcar uma consulta para uma paciente fict�cia que, disseram, ficara parcialmente paralisada ap�s um derrame cerebral e n�o poderia se transferir sozinha da cadeira de rodas para a maca na qual seria examinada.

    Mais de 20% dos consult�rios se negaram a marcar uma consulta, dizendo que n�o tinham acesso para cadeiras de rodas, n�o contavam com macas de exame de altura ajust�vel ou, ainda, que seus profissionais n�o estavam treinados a transferir pacientes. Muitos dos consult�rios que concordaram em marcar a consulta admitiram que n�o tinham os equipamentos necess�rios para mudar a paciente de lugar e que talvez fossem obrigados a pular partes do exame f�sico.

    Ainda mais preocupantes s�o evid�ncias recentes de que pacientes com defici�ncias nem sempre recebem o mesmo tratamento por condi��es m�dicas iguais.

    Um estudo comparou o tratamento de c�ncer de mama oferecido a pacientes com ou sem defici�ncias. Os pesquisadores descobriram que as mulheres com defici�ncias tinham chance muito menor de serem submetidas a cirurgias de conserva��o da mama, em vez de mastectomias completas. Aquelas que de fato recebiam a cirurgia que preserva a mama tiveram probabilidade menor de receber radia��o depois, procedimento necess�rio para eliminar c�lulas cancerosas residuais. Ao todo, as pacientes com defici�ncias f�sicas tinham probabilidade 30% maior de morrer de c�ncer.

    Tamb�m s�o mais altas as chances de as pessoas com defici�ncia sentirem que seus m�dicos n�o lhes d�o ouvidos, n�o os tratam com respeito ou n�o lhes d�o explica��es adequadas.

    Os m�dicos com frequ�ncia fazem suposi��es falsas sobre pacientes com defici�ncias. Por exemplo, n�o conversam sobre contracep��o com mulheres que t�m dificuldade de andar nem lhes oferecem tantos exames preventivos de c�ncer cervical, em parte por presumirem que elas n�o sejam sexualmente ativas.

    Quando fazem seus check-ups m�dicos anuais, os pacientes com defici�ncias t�m 20% menos chances de serem aconselhados a parar de fumar.

    Mais de 20% da popula��o americana convive com alguma defici�ncia, mas esse � o caso de menos de 2% dos m�dicos que atendem pacientes –e a grande maioria deles tornou-se deficiente depois de concluir a forma��o acad�mica.

    Poucas pessoas com defici�ncias s�o aceitas em escolas de medicina. Os estudantes de medicina com defici�ncias abandonam mais os estudos que os n�o deficientes, uma vez que nem sempre recebem o apoio de que necessitam.

    Um estudo publicado no ano passado examinou os chamados "padr�es t�cnicos" –as habilidades cognitivas e f�sicas esperadas– que as escolas de medicina exigem para a admiss�o de estudantes (as escolas t�m liberdade para definir esses padr�es, desde que respeitados os par�metros estabelecidos pela legisla��o).

    Os pesquisadores descobriram que, apesar de a maioria das escolas de medicina divulgar essas exig�ncias em seus sites, muitas delas n�o facilitam a localiza��o desses requisitos na internet e apenas um ter�o das escolas afirma explicitamente que oferece alojamento para pessoas com defici�ncias. Mais de 60% n�o informavam quem seria respons�vel pelos alojamentos, se seria o estudante ou a escola.

    ATENDIMENTOS MELHORES

    E, no entanto, cada vez mais os m�dicos com defici�ncias est�o transformando o atendimento. Uma m�dica residente no Hospital de Massachusetts, C. Lee Cohen, sofre de um problema que provocou perda parcial da audi��o nos dois ouvidos. Ela usa um estetosc�pio amplificado para escutar o cora��o e os pulm�es dos pacientes. Na escola de medicina, usava um aparelho transmissor de FM para ouvir as aulas com mais clareza.

    "Eu sou melhor em me comunicar com pacientes mais velhos que j� tenham alguma perda auditiva", diz Cohen. "Devido � minha experi�ncia pr�pria, sei que, quando a gente n�o ouve bem, nosso c�rebro decomp�e as palavras e s�labas de certa maneira. Em vez de pedir �s pessoas que repitam o que disseram, pe�o que repitam o que disseram em outras palavras. Quando meus pacientes t�m defici�ncia auditiva, sei com quais sons eles t�m dificuldade. Explico as coisas em outras palavras, para que eles possam compreender."

    O m�dico Gregory Snyder, do hospital Brigham and Women's, em Boston, tem paralisia nas pernas desde que sofreu uma les�o na espinha enquanto cursava medicina. Ele usa cadeira de rodas e afirma que, quando est� trabalhando, �s vezes � confundido com um paciente. Mas isso n�o � necessariamente algo negativo.

    "Isso nos lembra de que todos n�s seremos pacientes em algum momento da vida", diz. "Talvez na hora em que a gente menos imagina."

    A maioria de n�s vai adquirir uma defici�ncia ao longo da vida. Mais de dois ter�os dos americanos com mais de 80 anos apresenta algum grau de defici�ncia motora, sensorial ou cognitiva.

    Snyder se recorda da dificuldade em adaptar-se � vida como paciente depois de sofrer seu acidente e do longo caminho da recupera��o. Mas ele afirma que sua defici�ncia motora e o processo de reabilita��o transformaram fundamentalmente –para melhor– o modo como ele atende seus pacientes.

    "Antes eu teria sido esse m�dico caucasiano, loiro, de olhos azuis e 1,80 metro de p� ao lado da cama usando avental branco", afirma. "Agora sou um sujeito numa cadeira de rodas, sentado bem ao lado dos meus pacientes. Eles sabem que eu j� estive deitado naquele leito, como eles. Acho que isso significa alguma coisa."

    Existem bons motivos para considerar que uma for�a de trabalho mais diversificada, que inclu�sse m�dicos com defici�ncias, beneficiaria pacientes e m�dicos. Os pacientes de origens diversas tendem a se sentir mais � vontade com m�dicos como eles, e a mesma coisa se aplica �s pessoas com defici�ncias.

    Ter mentores e colegas com defici�ncias fomenta o entendimento de capacidades e pontos de vistas distintos e cria um ambiente que contesta o vi�s negativo em rela��o a esses grupos. Minha irm�, para oferecer apenas um exemplo, se beneficiou de pol�ticas (a ADA) e de uma comunidade que lhe permitiram desenvolver seu potencial. Ela se formou recentemente em medicina e est� se especializando em radioterapia oncol�gica.

    DHRUV KHULLAR � m�dico no hospital presbiteriano de Nova York e pesquisador do Departamento de Pol�ticas P�blicas e Pesquisas em Sa�de da Escola de Medicina Weill Cornell.

    Tradu��o de CLARA ALLAIN

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