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    Quem s�o os leitores da fic��o brasileira contempor�nea?

    SANTIAGO NAZARIAN

    12/02/2017 02h00

    RESUMO Neste h�brido de ensaio e reportagem, o escritor paulistano vai em busca da resposta � inquieta��o que acossa muitos de seus pares: quem l� os autores brasileiros contempor�neos? Ele descobre esp�cimes de um fiel p�blico jovem, na casa dos 20 anos –uma confraria que n�o exibe a veleidade de passar � escrita.

    Adriano Vizoni - 20.jul.2012/Folhapress
    Alguns dos selecionados para a edi��o especial da revista Granta com os 20 melhores jovens escritores brasileiros
    Alguns dos selecionados para a edi��o especial da revista Granta com os 20 melhores jovens escritores brasileiros

    Os n�meros s�o sempre desanimadores. Num pa�s com 27% de analfabetos funcionais, nem os alfabetizados t�m o costume de ler. Nesse contexto, o que sobra para o autor brasileiro contempor�neo, esse ser t�o marginalizado?

    No meio liter�rio, mant�m-se o palpite (nem t�o sarc�stico) de que o n�mero total de leitores de literatura brasileira contempor�nea seja o mesmo da m�dia das tiragens: 3.000. Desses, a imensa maioria � formada pelos pr�prios autores, por editores e jornalistas. Mesmo dentro do cen�rio acad�mico, nas faculdades de letras, n�o se conhece bem a literatura produzida hoje no pa�s. Se � uma fal�cia dizer que escritores n�o s�o lidos por seus pares, mais correto parece ser inferir: os escritores s�o lidos apenas por seus pares.

    "Eu tamb�m escrevo." Eis a frase que um autor provavelmente mais ouve de seus leitores. Por se tratar de uma arte pautada por conhecimentos t�cnicos discut�veis (diferentemente da m�sica, por exemplo), a literatura em teoria pode acolher qualquer alfabetizado. E como consensual a ideia de que um grande escritor deve ser um grande leitor, qualquer apaixonado pela leitura se sente impelido a fazer o salto para a autoria.

    "Conhece algum leitor de autores brasileiros contempor�neos que n�o tenha ele mesmo pretens�es liter�rias?", perguntei � minha amiga escritora Simone Campos –como d�cadas atr�s se perguntava "sabe quem est� vendendo p�?" (O p� sempre foi mais f�cil de se encontrar). Na busca por leitores an�nimos, cheguei a abordar uma colega de academia (de gin�stica, n�o se engane), que eu sempre via com um livro. "Quais autores brasileiros atuais voc� l�?" Ela pensou por um tempo, procurando nomes. "Comprei o livro do Juli�n Fuks... mas me roubaram." Foi tudo o que conseguiu achar (ou perder). Na ocasi�o, ela lia a italiana Elena Ferrante, coqueluche da hora com sua tetralogia napolitana.

    Mas n�o haveria um pequeno percentual que acompanha a safra brasileira recente, n�o escreve –ou ao menos n�o trabalha (ainda?) com isso? Uma boa resposta tem vindo das redes sociais. Hoje, um escritor ativo no Facebook logo identifica meia d�zia de nomes "reincidentes", uma turma sempre a postos para divulgar lan�amentos, comentar as resenhas e discutir com os pr�prios autores, mas que ainda n�o desempenha papel preciso no meio. S�o os leitores perfeitos... ou quase.

    Aqui cabe um detalhamento do foco da "investiga��o" que move esse texto: falamos de fic��o liter�ria, de literatura de densidade est�tica. Isso porque na literatura comercial brasileira, j� se tornou comum ver milhares de f�s juven�ssimos a formar filas em bienais, acompanhando seus autores favoritos como �dolos pop.

    O estudante Iuri Keffer � um desses. Aos 20 anos, est� migrando das obras juvenis e comerciais para as mais densas. Come�ou a ler por ser f� de terror; nas rodas da literatura de g�nero, encontrou jovens autores que se promoviam nas redes sociais.

    Essa possibilidade de proximidade foi o que o seduziu na literatura brasileira. Morando em Vit�ria (ES), nunca encontrou uma cena local efervescente. Por isso, viajou at� o Rio para estar presente num lan�amento da autora de t�tulos juvenis Tammy Luciano, uma de suas favoritas. Hoje tamb�m de olho numa eventual carreira de escritor, ele mergulha nas p�ginas mais exigentes de jovens como Luisa Geisler, Sheyla Smanioto e Rafael Gallo.

    Tornou-se amigo de v�rios autores pelas redes sociais e participa das discuss�es, mas ainda observa perante essa literatura uma posi��o de humildade. "�s vezes, pego alguns trechos do livro da Luisa e n�o entendo nada. Mas deixo guardados para quando for um leitor mais experiente", brinca.

    CR�TICA

    Pouco mais velho do que Iuri, o carioca Mateus Pinheiro, 22, estudante de jornalismo, � quase onipresente nos f�runs virtuais sobre a literatura brasileira atual, assim como nos lan�amentos e debates do Rio. De passagem por S�o Paulo, marcou conversas com alguns de seus autores favoritos, como Antonio Xerxenesky e Ricardo L�sias.

    Foi nessa ocasi�o que o encontrei. Era dezembro, e ele dizia ter lido 85 t�tulos em 2016. A centena cheia seria batida antes do r�veillon, garantia o jovem.

    Mateus costuma ser bastante incisivo na forma como expressa seus gostos. Criou at� uma p�gina de pequenas cr�ticas no Facebook, a Resenha de Bolso (facebook.com/resenhadebolso), em que analisa obras atuais em poucas linhas e d� sua nota.

    Eis, ali�s, outra fronteira mal delimitada da cena liter�ria de hoje: aquela que separa a cr�tica do leitor. Com a extin��o progressiva dos suplementos liter�rios (e da m�dia impressa como um todo), a maior parte das resenhas est� nas m�os de amadores, leitores apaixonados que criam blogs e vlogs ou usam a rede social Skoob para discutir seus tomos favoritos, muitas vezes de maneira absolutamente passional e pouco consistente.

    N�o parece ser o caso de Mateus. Oriundo de uma fam�lia em que pouco se lia, passou a faz�-lo na adolesc�ncia por conta do bullying que sofria no col�gio. Come�ou pela literatura policial e, depois de descobrir Rubem Fonseca, passou para a produ��o nacional contempor�nea. Alguns de seus autores favoritos agora s�o Victor Heringer, Elvira Vigna e Vanessa Barbara.

    S�o nomes tamb�m prezados por Arthur Tertuliano, 29, recifense radicado h� dois anos em S�o Paulo. Formado em direito, fez mestrado em estudos liter�rios. Na capital paulista, seu primeiro emprego foi como vendedor da Livraria Cultura. "Aproveitava as folgas, o hor�rio de almo�o para ler, e os outros vendedores todos estranhavam. Diziam que quando n�o estavam trabalhando n�o queriam nem ver livro."

    Arthur afirma ter lido "poucos" livros em 2016: 101 at� o come�o de dezembro. "Foram 349 em 2015", contabiliza, incluindo na aritm�tica juvenis e infantis. Mesmo sendo um leitor voraz, ele n�o tem nenhum romance na gaveta. J� pensou em se arriscar nas belas letras, publicou resenhas e escreve para o site Posf�cio (posfacio.com.br). Atualmente, n�o nutre maiores pretens�es no meio. "� t�o bom ser s� leitor, n�o precisar frequentar eventos liter�rios."

    J� em Quatigu� (PR), a professora de ensino m�dio Sandriele Bueno, 27, foi uma rara estudante de letras seduzida pela literatura brasileira contempor�nea. "At� come�ar a gradua��o, nunca tinha lido um livro", conta ela, lembrando que escolheu o curso de letras pela facilidade com o ingl�s.

    Na faculdade, descobriu "Contos Negreiros", de Marcelino Freire, que a fisgou pela fluidez da l�ngua. Aprofundando-se na obra de Marcelino, foi atr�s dos "amigos" do escritor pernambucano, o que basicamente estendeu a ela todo o espectro de autores vivos do pa�s. Entre seus prediletos encontram-se hoje Paulo Lins, Milton Hatoum e Jo�o Anzanello Carrascoza.

    Personagem dif�cil de encontrar, totalmente fora do meio, � a paulista Vivianne Wakuda, 29, grande revela��o como confeiteira. F� de autores como o brit�nico Neil Gaiman (conhecido pela s�rie de quadrinhos "Sandman"), passou a privilegiar a fic��o nacional depois de ler Ana Paula Maia e Jo�o Gilberto Noll. Em noites de aut�grafo, traduz seu apre�o pelos compatriotas em deliciosos bolos e macarons. "N�o escrevo. S� tenho mesmo o h�bito de ler. Se for para lan�ar um livro, ser� de receitas", diverte-se ela, a leitora ideal.

    Nessa busca por "leitores perfeitos", cruzou meu caminho mais um punhado de personagens... mas s� um punhado mesmo. Cogitei conversar com um ou outro, mas pesquisas ligeiras revelavam livros de contos j� publicados, colet�neas de poemas no prelo.

    Muitos colegas escritores indicaram bons nomes, que de fato eram grandes leitores, mas que s� faziam incurs�es espor�dicas pela literatura nacional recente. Quem dera encontrar um leitor pipoqueiro, um traficante, um pastor evang�lico... talvez fosse tarefa para um jornalista mais h�bil. Ou ut�pico.

    De toda forma, esses perfis atestam que a literatura brasileira ainda resiste –e existe. Que grandes leitores se tornem autores n�o � motivo para queixa. H� de haver espa�o para todos, desde que o meio continue a ler a si mesmo. Pessoalmente, prefiro que a literatura expanda seus horizontes.

    N�o por acaso, me casei com um desses animais raros, um chef londrinense que � um glut�o das letras contempor�neas. Quando nos conhecemos, ele nunca havia lido um romance meu. Ao descobrir que eu escrevia, saiu-se com esta: "Sou f� do Jo�o Paulo Cuenca." (Bem, ningu�m � perfeito.)

    SANTIAGO NAZARIAN, 39, � autor de oito livros, entre eles "Mastigando Humanos" e "Biofobia" (Record).

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