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    As letras da franciscana Ad�lia Prado

    JULIANA CUNHA

    13/12/2015 02h03

    RESUMO Ad�lia Prado, que completa 80 anos neste domingo (13), celebra seus 40 anos de carreira liter�ria com a reuni�o de sua poesia pela Record. Quebrando o sil�ncio que se imp�e diante do vozerio da atualidade, a poeta respondeu a quest�es da "Ilustr�ssima" sobre sua trajet�ria e sobre o momento que vive o pa�s.

    Bruno Poletti - 25.mar.14/Folhapress
    Ad�lia Prado, fotografada em S�o Paulo, no ano passado
    Ad�lia Prado, fotografada em S�o Paulo, no ano passado

    UM POEMA IN�DITO

    Vig�lia

    Embaciada de gordura e p�
    minha ora��o � turva.
    S� porque est� escrito "pedi e recebereis",
    at� hoje rogo por casa, sobriedade, milagres.
    Na madrugada alta me reviro insone,
    sem coragem para o que faria de pronto
    um escolar saud�vel.
    Ah! Deixar meu noivo e aceitar por marido
    o namorado da ro�a que sempre teria � m�o?
    A per�odos regulares como esta��es do ano,
    lavo as alfaias do meu casamento, releio as cartas:
    "O Pai te ama, pequenina ovelha, pedi e recebereis".
    Ningu�m me ordena, mas obede�o e espero.
    Assim que descer da cruz nos casaremos.

    *

    Ela esperou quatro d�cadas para ser um sucesso instant�neo. Quando a professora de Divin�polis, interior de Minas Gerais, surgiu na cena liter�ria, veio com cinco filhos, marido e 40 anos de idade. O nome de seu primeiro livro: "Bagagem" (Imago).

    No lan�amento, em 1976, estavam Ant�nio Houaiss, Raquel Jardim, Clarice Lispector, Juscelino Kubitschek, Affonso Romano de Sant'Anna, N�lida Pi�on e Carlos Drummond de Andrade, que foi quem recomendou a publica��o da novata e a encheu de elogios no "Jornal do Brasil".

    "Ad�lia � l�rica, b�blica, existencial, faz poesia como faz bom tempo", escreveu Drummond.

    Dois anos depois, ela levaria um Jabuti por "O Cora��o Disparado" (Nova Fronteira), mas era como se n�o fizesse falta: j� era considerada uma das grandes.

    "Velhice n�o d� a escritor nenhum o direito da platitude. N�o quero ficar espa�osa s� porque fiquei velha", diz a escritora em entrevista � Folha.

    "Depois dos 80 anos, o corpo alquebrado ou mesmo doente de um poeta certamente mudar� a casu�stica de sua escrita, mas n�o pode alterar sua qualidade", diz ela, que completa 80 neste domingo (13) e ganha nova antologia de sua obra po�tica na edi��o de luxo "Poesia Reunida" (Record), com cerca de 300 poemas de seus oito livros do g�nero.

    A comemora��o, segundo ela, ser� "em sil�ncio, como pede esse momento de barulho da televis�o, do Congresso Nacional e das igrejas com prop�sitos diferentes dos do evangelho de Jesus Cristo".

    Ad�lia, que sempre foi vista pelo vi�s da poeta que chegou pronta, agora iguala os per�odos da vida: tem tantos anos na gaveta quanto fora do arm�rio onde trabalhou, solit�ria, os seus poemas.

    QUERMESSE

    Ana Martins Marques, mineira como Ad�lia, tem um poema recente chamado "Poemas Reunidos" em que diz: "Sempre gostei dos livros/ chamados poemas reunidos/ pela ideia de festa ou de quermesse/ como se os poemas se encontrassem/ como parentes distantes/ um pouco entediados/ em volta de uma mesa/ como ex-colegas de col�gio".

    Da primeira vez que viu seus poemas reunidos, em 1991, pela extinta editora Siciliano, Ad�lia n�o gostou; comparou-a a uma "homenagem p�stuma", imaginou os poemas reunidos num vel�rio. Desta vez, est� mais contente com o encontro. "Acho que meus poemas se encontram matando saudades, como numa boa reuni�o de amigos ou fam�lia", diz.

    H� 15 anos, quando foi tema de um dos "Cadernos de Literatura Brasileira" do Instituto Moreira Salles, Ad�lia disse, em entrevista � "Ilustrada", que "toda pessoa deveria receber uma homenagem em vida". "Poucas coisas s�o t�o inc�modas, mas nada melhor para ver o pr�prio tamanho."

    No posf�cio do livro, o cr�tico Augusto Massi tenta medir esse tamanho. Situa a obra de Ad�lia como "um �ltimo desdobramento do modernismo, cujas linhas de for�a convergem para a retomada do cotidiano, da oralidade, da cultura popular e para o desejo de encurtar o caminho at� o leitor, trazendo a linguagem po�tica para o centro da vida".

    Massi localiza um cruzamento entre a forma��o franciscana da poeta —seu irm�o, frei Ant�nio Prado, foi o primeiro franciscano de Divin�polis, e a pr�pria Ad�lia pertenceu � Ordem Terceira— e certa heran�a modernista. Essa conex�o se explicitaria em seu "despojamento como ant�doto ao ornamental". Ad�lia diz que nunca buscou ser despojada: "A poesia se obriga a isto. De outra forma, farei apenas ret�rica. Ornamento em poesia � pecado", diz.

    Os temas da escritora, em sua pr�pria defini��o, s�o "a morte, o amor e Deus". Cat�lica das praticantes, surpreende desavisados pelo erotismo e for�a. "Irado polvo cego � meu carinho", diz no poema "Senha". Quem desdenha da sexualidade das professorinhas casadas n�o deve ter lido Ad�lia Prado.

    A condi��o de senhora cat�lica tamb�m j� a colocou sob suspei��o em uma �poca em que a posi��o esperada do artista era a de intelectual p�blico, engajado. Mas Ad�lia n�o tem medo algum de se comprometer —nem foge de perguntas pol�ticas. "Nossos representantes se comportam como adolescentes bo�ais. N�o se encontra no quadro pol�tico atual um discurso adulto, um estadista que nos provoque ades�o e confian�a", diz ela, quando questionada sobre o clima de impeachment.

    "As intriguinhas da corte, as birras, as caras, os dedos em riste, as poses s�o uma canseira, uma tristeza s�. A luta entre governo e oposi��o se iguala pela aus�ncia de princ�pios. Nem a luz do dia respeitam mais. Barganhas s�o feitas � vista de todos, enquanto as honrosas exce��es pregam no deserto", conclui.

    Seu desalento diante da situa��o atual, no entanto, ela n�o leva para a poesia. Ao menos n�o diretamente. Ainda que diga que "posicionar-se politicamente � um direito e um dever de todo cidad�o —e o poeta, supostamente aquele que v� antes, deve ser o primeiro da fila", Ad�lia frisa que "a casu�stica de um poema pode ser qualquer uma, pol�tica, religiosa, cotidiana, filos�fica, espiritual".

    "O que importa no poema � a forma, seu estatuto �ntimo, a beleza. Se ele mexe com as pessoas e as influencia, esta decorr�ncia n�o pode ser um fim para o autor."

    Na opini�o da poeta, ningu�m suportaria um livro de poemas que pretendesse fazer do leitor um "militante para a salva��o do planeta". "Ainda que o mundo arda, haver� sempre um poeta para falar da beleza das chamas. Isto, sim, pode nos dar mais consci�ncia ecol�gica do que as pol�ticas ego�stas e hip�critas das confer�ncias sobre salva��o do planeta. Belos discursos, mas pa�s nenhum quer ser o primeiro a apagar a fuma�a das chamin�s."

    Preocupada com as v�timas do desastre ambiental em Mariana, a duas horas de Divin�polis, ela queixa-se da demora "em decidir se v�o indenizar ou n�o as v�timas com casa, comida, escola e sa�de". "Dizem que o dinheiro sumiu. Os processos legais andam como tartarugas doentes. Com a avalanche de doa��es, percebemos que, de novo, os pobres � que ajudam os pobres", diz Ad�lia, a franciscana.

    JULIANA CUNHA, 27, � editora-assistente da "Ilustrada".

    Colaborou FRANCESCA ANGIOLILLO, editora-adjunta da "Ilustr�ssima".

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