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    41� Mostra de SP

    Mundo 'encaretou', diz Helena Ignez, que faz elogio a utopias em novo filme

    GUILHERME GENESTRETI
    MARIA LU�SA BARSANELLI
    DE S�O PAULO

    30/10/2017 02h00

    Acervo UH/Folhapress
    A atriz e diretora Helena Ignez em s�rie de retratos feitos em 1964
    A atriz e diretora Helena Ignez em s�rie de retratos feitos em 1964

    Todo dia Helena Ignez ouve blues e jazz por pouco mais de uma hora, em seu apartamento, no centro de S�o Paulo. Serve para embalar as suas pr�ticas de tai chi chuan e ioga taoista. "Tenho essa rela��o com o som", explica. "Sou baiana, n�?"

    N�o por acaso, � pela m�sica que a atriz e diretora, 78, come�a a criar seus filmes, como "A Mo�a do Calend�rio", um dos quatro em que ela figura na programa��o da Mostra de Cinema de S�o Paulo.

    Baseado em roteiro deixado pelo cineasta Rog�rio Sganzerla (1946-2004), com quem ela foi casada por 34 anos, "A Mo�a do Calend�rio" � um libelo em favor das utopias (feminista, racial, social, sexual) de que Helena � s�mbolo desde os anos 1960.

    A hist�ria segue In�cio (Andr� Guerreiro Lopes), mec�nico e dubl� de dan�arino que sonha com a garota que estampa o calend�rio da oficina onde trabalha (vivida por Djin Sganzerla) enquanto pena nas m�os do chefe.

    O filme segue muito da cartilha sganzerliana: a narrativa em off; as refer�ncias a filmes como "Sem Essa, Aranha" e "Copacabana, Mon Amour"; atores falando diretamente com o espectador.

    "� o filme de uma disc�pula livre. E feminista", diz ela, que atualizou o roteiro e incluiu refer�ncias ao MST e �s reformas trabalhista e previdenci�ria do governo Temer.

    Tamb�m d� tintas bem paulistanas (quase tudo foi filmado no centro de S�o Paulo) a uma hist�ria originalmente ambientada no sub�rbio carioca. Tudo acompanhado da sele��o musical feita pela diretora, que vai de Pixinguinha a MC Fininho.

    Na mostra, Helena ainda d� as caras como atriz em "Antes do Fim", filme de Cristiano Burlan, e em "O Padre e a Mo�a" (1966), de Joaquim Pedro de Andrade, exibido em retrospectiva –esse �ltimo � revisitado no document�rio "Todos os Paulos do Mundo", de Rodrigo de Oliveira e Gustavo Ribeiro, sobre a carreira de Paulo Jos�.

    J� no teatro, divide o palco com a filha Djin em "Tch�khov � um Cogumelo", encenado por Guerreiro Lopes. E, no ano que vem, ser� uma "ringue girl" na pe�a "Ringue", com dire��o de Burlan.

    O teatro, sua forma��o (estudou arte dram�tica na UFBA, depois de desistir do curso de direito), tamb�m guiou seus filmes, como "Can��o de Baal" (2007), a partir da pe�a de Brecht, e "Ral�" (2016). "O meu cinema � teatral, perform�tico. Tem uma energia do impulso que � t�pico do teatro, da atua��o."

    A MULHER DE TODOS

    Vinda de uma fam�lia da alta sociedade soteropolitana, Helena chamava a aten��o pela beleza –chegou a ser candidata a miss Bahia.

    Nelson Rodrigues atentava ao prenome duplo da atriz: "N�o � por acaso, n�o � por capricho, que uma mulher se chama, ao mesmo tempo, Helena e Ignez. Temos Helena, que foi amada por um povo, e temos In�s, que foi amada por um homem", disse o dramaturgo, referindo-se a Helena de Troia e In�s de Castro, paix�o de D. Pedro 1�.

    Trailer

    Mas foi no centro de um movimento vanguardista do cinema e do teatro que surgiu o nome de Helena. Estreou em 1959 com Glauber Rocha (1939-1981), seu primeiro marido, no curta "O P�tio".

    Tornaria-se depois o rosto de produ��es do cinema marginal, como a prostituta Janete Jane, de "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), e a aspirante a cantora Sonia Silk, de "Copacabana Mon Amour" (1970), ambos de Sganzerla, inaugurando uma forma extravagante e debochada de atuar.

    O cr�tico Jean-Claude Bernardet aponta para sua vamp libert�ria de "A Mulher de Todos" (1969): a interpreta��o "audaciosa" da atriz se aproxima da performance e rompe com o realismo.

    TAPA NA CARA

    � reportagem, ela rememora a �poca do desbunde.

    "Outro dia, pensei: que bom que vivi 1968. O pessoal era louqu�simo. No meio de uma pe�a, de repente, todo mundo ficava nu. Era uma descareta��o total, um tapa na cara extraordin�rio."

    Hoje, diz, tudo "encaretou". "Est� todo mundo muito acomodado, salvo ativistas, que s�o a minoria. E n�s sempre somos a minoria."

    Helena foi uma das vozes que, h� mais de 50 anos, j� clamavam por igualdade de g�nero e pelo protagonismo feminino. "Ir atr�s do desejo � a marca da liberdade. E isso me caracterizou."

    Mas diz ter pagado "um pre�o caro". Quando era casada com Glauber, escandalizou a sociedade baiana ao descobrir-se que ela mantinha um namoro com outro homem. Separou-se do cineasta, com quem j� tinha uma filha, Paloma, nos anos 1960, "numa �poca em que n�o tinha nem div�rcio".

    Divulga��o
    Cena do filme "Cidad�o Kane"
    Claudinei Brand�o e Andr� Guerreiro Lopes em cena de "A Mo�a do Calend�rio", de Helena Ignez

    Liberdade, diz, encontrou ao lado de Sganzerla, com quem viveu at� a morte do diretor. "Ele aceitou a minha ida para outras coisas."

    As coisas foram sua incurs�o "muito radical" pelo hindu�smo, que a levou a EUA, Inglaterra e �ndia, onde morou sem o marido. De volta ao Brasil, enquanto passava "tr�s, quatro horas" fazendo tai chi na floresta da Tijuca, Sganzerla perambulava com o poeta Waly Salom�o. "Ele se distra�a filmando, vendo os p�ssaros."

    O diretor deixou um acervo que frequentemente obriga Helena a viajar por festivais. Legou tamb�m roteiros nunca filmados que a atriz pretende desengavetar.

    "Estou com excesso de trabalho", diz ela, que, al�m das cria��es pr�prias, ser� tema do document�rio "A Mulher de Luz Pr�pria", de sua filha Sinai Sganzerla.

    Sobre a diversidade de suas obras, diz acreditar "na intelig�ncia do p�blico". "� outro aspecto sganzerliano. Vivo do cinema. Preciso desse p�blico."

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