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    Ira do novo feminismo � acerto de contas, diz historiadora Rebecca Solnit

    FERNANDA MENA
    DE S�O PAULO

    11/08/2017 02h00 - Atualizado �s 23h52
    Erramos: esse conte�do foi alterado

    David Levenson/Getty Images
    A historiadora Rebecca Solnit tem dois de seus livros sobre feminismo lan�ados no Brasil
    A historiadora Rebecca Solnit tem dois de seus livros sobre feminismo lan�ados no Brasil

    "Uma pessoa livre conta a sua pr�pria hist�ria. Uma pessoa valorizada vive numa sociedade em que a sua hist�ria ocupa um lugar", escreve a historiadora norte-americana Rebecca Solnit, 56, sobre o papel do sil�ncio na repress�o social �s mulheres e a atual recusa feminina em calar diante da viol�ncia e das desigualdades de g�nero.

    O ensaio "Uma Breve Hist�ria do Sil�ncio" faz parte da colet�nea "A M�e de Todas as Perguntas" (Companhia das Letras), que chega ao Brasil em setembro, pouco depois de outro volume de ensaios, anterior e rec�m-lan�ado no pa�s, "Os Homens Explicam Tudo para Mim" (Cultrix) –o texto que d� t�tulo � obra inspirou "mansplaining", termo que entrou para o dicion�rio Oxford e ganhou o mundo.

    Solnit faz, no ensaio, o hil�rio relato de como um homem lhe explicou longamente o conte�do de um livro que ela pr�pria havia escrito.

    No livro mais recente, batizado com o t�tulo de um artigo publicado na revista "Harper's", onde Solnit � colunista, ela explora a ideia de autodetermina��o a partir da persist�ncia de quest�es sobre maternidade e fam�lia –feitas frequente e quase exclusivamente �s mulheres.

    Em entrevista � Folha por e-mail, a autora fala de filhos, estupro, Donald Trump e de certa virul�ncia da nova onda feminista. "� um acerto de contas. E ele n�o acabou."

    *

    FOLHA - Qual � "A M�e de Todas as Perguntas"?

    REBECCA SOLNIT - Como t�tulo de livro, pode se referir a muitas coisas. Entre elas, quest�es feitas a mulheres baseadas na suposi��o de que suas vidas devem girar em torno de maridos e filhos.

    Isso ocorre porque a mulher ainda � vista majoritariamente em sua fun��o biol�gica ou porque ao abdicar deste papel ela amea�a os homens?

    Para muitos homens e algumas mulheres, a fun��o da mulher � ter filhos. O grande escritor americano James Baldwin [1924-1987] disse: "Se eu n�o sou o que voc� diz que eu sou, ent�o voc� n�o � quem pensa que �". Se mulheres n�o s�o servas, homens n�o s�o senhores. Se mulheres n�o s�o inferiores, homens n�o s�o superiores. H� homens que ainda lutam contra a ideia de que mulheres s�o seres humanos iguais a eles. A humanidade, o poder e a intelig�ncia das mulheres os perturbam e � sua busca pelo dom�nio.

    Espero que essa esp�cie de homem entre em extin��o para o bem de todos, pois essa � a suposi��o por tr�s da viol�ncia dom�stica: tenho o direito de controlar voc�, sou seu dono, voc� n�o tem direitos, nem � integridade de seu corpo, nem mesmo direito � vida.

    At� que ponto a associa��o do feminino com a ideia de cuidado � natural?

    As mulheres s�o t�o condicionadas a cuidar do bem-estar alheio que t�m dificuldade de cuidarem de si. Vemos isso com aquelas que perdoam os homens que as machucaram. J� os homens s�o condicionados a serem ego�stas.

    Uma mulher me contou que estupro era t�o comum na sua faculdade que nunca pensou em denunci�-lo, tolerava sua ocorr�ncia. Isso me fez pensar n�o s� na grande quantidade de mulheres v�timas mas tamb�m na de estupradores. O que pode ter deformado tanto esse meninos? Eu me preocupo mais com as v�timas, mas os perpetradores de viol�ncia s�o muito prejudicados tamb�m.

    Voc� afirma que os �ltimos anos foram de revitaliza��o dos movimentos de mulheres, o que parece ter ocorrido no Brasil tamb�m. Por que agora?

    Fico feliz em saber que isso tem ocorrido no Brasil. �s vezes as mudan�as s�o lentas como �gua batendo numa pedra. �s vezes s�o como um terremoto. O poder e as ideias feministas foram constru�das lentamente a partir de sua f�ria e frustra��o com a viol�ncia. Logo as mulheres jovens come�aram a falar sobre estupros nas universidades. Sua solidariedade e sua recusa ao sil�ncio e � vergonha deram in�cio a um movimento.

    Como h� mais mulheres jornalistas, editoras e produtoras de TV, essas hist�rias passaram a ser contadas de outra maneira e receberam outro tipo de aten��o. As m�dias sociais tiveram tamb�m o seu papel, j� que milh�es de mulheres juntaram suas vozes para dizer "isso aconteceu comigo". Passamos a revisar o que nos diziam at� ent�o: "n�o � algo comum", "� culpa dela, e n�o dele", "s�o as v�timas que mentem" etc.

    O tenebroso epis�dio do estupro coletivo e da morte de Jyoti Singh em Nova D�lhi, al�m de v�rios esc�ndalos nos EUA, foram nossos terremotos. � um acerto de contas. E ele n�o acabou. Antes de curar uma doen�a, voc� precisa diagnostic�-la e nome�-la. Esta doen�a est� longe da cura, mas nome�-la e apontar a culpa s�o passos importantes.

    Negar o binarismo masculino-feminino promove equidade de g�nero ou precisamos dessas categorias para identificar as desigualdades?

    O que eu aprendi em meio s�culo de mudan�as sociais � que frequentemente conflitos e dramas podem parecer exacerbados, mas s�o um modo de promover a substitui��o das coisas "como s�o" pelas coisas "como t�m de ser".

    H� hoje muita rebeldia em rela��o a conven��es de g�nero e pap�is sexuais. Mas talvez em cem anos a maior parte de n�s v� se identificar como homem ou mulher sem achar isso t�o importante para determinar quem s�o, o que fazem e quem amam. Se os pap�is podem ser preenchidos por todo tipo de pessoa, n�o vamos pensar em trabalho dom�stico como feminino e engenharia como masculino.

    Qual hist�ria deu origem ao termo "mansplainning"?

    Os Homens Explicam Tudo Para Mim
    Rebecca Solnit
    l
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    Quando era mais jovem tinha a impress�o de que os homens achavam que eu havia nascido para ouvi-los, admir�-los e bajul�-los, fosse quando tocassem guitarra ou quando me explicassem o funcionamento de algo. � como quando eles acham que mulheres devem sorrir para eles na rua e ficam bravos se n�o acontece.

    Esse tipo de homem acha que as mulheres est�o ali para servi-los. Eu tive essas experi�ncias e elaborei uma perspectiva cr�tica sobre eles. O fen�meno batizado de "man- splaining" a partir do meu ensaio denuncia a arrog�ncia de homens que acreditam saber algo que n�o sabem e sup�em que ela n�o sabe algo que sabe. A hist�ria que inspirou o ensaio, sobre o homem que me explicou meu pr�prio livro, � engra�ada, mas conheci m�dicas, cientistas e advogadas que est�o cansadas de serem tratadas como algu�m menos qualificado do que s�o.

    Voc� escreveu que Donald Trump � o homem mais zoado do planeta. Por qu�?

    Ser rico e privilegiado pode ser triste. Se todo mundo tem medo ou depende de voc�, se ningu�m fala o quanto voc� est� sendo grosso ou equivocado, voc� perde contato com a humanidade do outro e com a sua. Trump � um homem perdido. Ele se esfor�a para nos impressionar e depois esconde o fato de n�o estarmos impressionados. A grande piada com a manifesta��o feminista de 21 de janeiro [a maior da hist�ria dos EUA] � que nunca um homem foi rejeitado por tantas mulheres de uma s� vez. Ele vai terminar mal.

    *

    MINIGLOSS�RIO
    Termos importantes do ativismo feminista.

    BROPRIATING
    Neologismo que une 'bro' ('brother', mano, cara) e 'apropriation' (apropria��o). Usado quando um homem toma ideias de uma mulher sem dar o devido cr�dito

    CULTURA DO ESTUPRO
    Designa a nega��o ou toler�ncia social ao crime de estupro e sua incid�ncia, a pr�tica de culpar a v�tima e o descr�dito diante de seu relato; abarca tamb�m representa��es culturais de agress�es a mulheres

    FEMINIC�DIO
    Assassinato em fun��o do g�nero, motivado pelo �dio, desprezo ou perda de controle sobre a mulher, tipificado principalmente pela desfigura��o e pelo ataque a rosto, seios e genit�lia, precedido ou n�o de viol�ncia sexual

    GASLIGHTING
    Atacar um posicionamento feminino como exagero ou loucura, na tentativa de desmerecer o argumento ou de levar a mulher a crer que sua percep��o da realidade esteja distorcida. Vem da pe�a "Gas Light", de 1938, que deu origem a filme hom�nimo em 1944, com abordagem de situa��o assim

    MANTERRUPTING
    Interrup��o da fala de uma mulher por um homem para demov�-la de sua argumenta��o, 'validar' o que ela dizia ou ter a �ltima palavra

    MANSPLAINING
    Une 'man' (homem) e 'explain' (explicar) e designa situa��es em que homens explicam a mulheres algo que elas j� sabiam ou que � �bvio, mas que eles supunham que elas n�o fossem capazes de apreender sozinhas

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