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    'Precisamos dos mitos hoje mais do que nunca', afirma escritor island�s

    LUCAS NEVES
    ENVIADO ESPECIAL A PARATY

    29/07/2017 23h29

    Bruno Santos/Folhapress
    O escritor island�s Sj�n fala na Igreja da Matriz, na Flip
    O escritor island�s Sj�n fala na Igreja da Matriz, na Flip

    A vitalidade perene do mito, seja como manancial de hist�rias sobre os sentimentos e puls�es humanas, seja como advert�ncia acerca dos efeitos de a��es err�ticas, esteve no centro da mesa "Mar de Hist�rias", realizada neste s�bado (28).

    O encontro colocou lado a lado o escritor e compositor island�s Sj�n e o autor brasileiro Alberto Mussa, sob a media��o da jornalista Paula Scarpin. Ambos incorporam o repert�rio mitol�gico a seus escritos: o primeiro bebe do folclore celta e n�rdico; o segundo, do ind�gena e afrobrasileiro.

    "A mitologia � quase que a literatura propriamente dita. Todos os grandes temas da humanidade s�o tratados por ela h� mil�nios: a cria��o, a morte, a viol�ncia, a moral, a sexualidade", lembrou Mussa, que lan�ou h� pouco "A Hip�tese Humana" (Record), quarto volume de seu "Comp�ndio M�tico do Rio de Janeiro".

    Segundo ele, que contou se interessar por hist�rias fant�sticas desde a inf�ncia, mudam os personagens e detalhes pontuais, mas narrativas como a do roubo do fogo atravessam os tempos, l�nguas e culturas guardando seus pilares. "Permanecem porque t�m uma for�a terr�vel. A mitologia prova que somos um povo s�, as l�nguas � que nos dividiram. Acho isso espetacular."

    Bruno Santos/Folhapress
    Alberto Mussa l� na mesa 'Mar de Hist�rias' na noite deste s�bado (29)
    Alberto Mussa l� na mesa 'Mar de Hist�rias' na noite deste s�bado (29)

    Autor de "Pela Boca da Baleia" (Tusquets), o island�s se disse tamb�m fascinado pelas varia��es dessas tramas imemoriais de �poca para �poca, lugar para lugar: "[Elas] Nos permitem situar corretamente o homem em rela��o ao universo, d�o a medida de seu tamanho em rela��o � magnitude dos deuses".

    Ele lembrou a ocasi�o em que visitou um templo dedicado a Poseidon, o deus dos mares, na Gr�cia. A edifica��o estava em ru�nas, mas o visitante ainda conseguia sentir ali a presen�a da divindade -o que o tsunami no Oceano �ndico meses depois s� veio refor�ar ("o poder dele persiste").

    "Pela primeira vez na hist�ria, o homem come�ou a dilapidar o mundo dos deuses. Como a mudan�a clim�tica, o aquecimento global e nossa responsabilidade [nesses fen�menos] afeta os mitos?", lan�ou o island�s. "Eles, os mitos, nos lembram de nossa arrog�ncia e do que acontece quando somos soberbos. Fracassamos. Por isso, precisamos usar os mitos hoje mais do que nunca."

    TRANSGRESS�O OU SAUDOSISMO?

    Perguntados se se sentem na contracorrente em um cen�rio liter�rio no qual uma escrita menos romanesca e mais atravessada por elementos autobiogr�ficos ganha cada vez mais adeptos, os autores responderam preferir outras interpreta��es de suas obras.

    Mussa afirmou que a "atrofia do enredo" a caracterizar parte da produ��o contempor�nea de fato n�o o mobiliza, mas que se considera talvez mais saudosista do que transgressor, dada a longeva tradi��o das grandes narrativas fant�sticas.

    J� Sj�n sustentou que o escritor pode deixar ver muito de si em seus textos sem nunca mencionar o pr�prio nome. "Nos meus livros, revelo muito sobre mim s� pela escolha do tema. Meus interessem ficam evidentes. De toda forma, muitas obras autobiogr�ficas n�o d�o uma ideia do nosso subconsciente."

    E emendou: "Nunca tive necessidade de contar minha hist�ria. Nunca a achei suficientemente interessante. N�o falando nada de mim, exponho-me a uma an�lise psicol�gica muito mais profunda. A m�scara conta muito mais sobre uma pessoa do que a face que se mostra. Sou um autor de m�scaras".

    A fase de prepara��o dos romances foi outro tema debatido. O autor brasileiro disse preferir o termo "imers�o" � defini��o dos preparativos como "pesquisa": "Leio textos relativos ao per�odo [de que vai tratar], romances. S� quando formo a cena, o palco � que consigo colocar os personagens para se mover ali dentro. E apesar de situar [a intriga] no passado, n�o gosto de tratar de pessoas que existiram".

    O island�s contou compilar informa��es aleatoriamente sempre que se interessa por um assunto, "como um p�ssaro colhendo coisas com o bico e as trazendo para o ninho", mesmo sem saber se vai efetivamente us�-las para escrever.

    Na abertura da mesa, os dois reverenciaram a liberdade de fabula��o do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). "Todos os islandeses t�m rela��o com ele, que demonstrou grande interesse pelo pa�s e esteve l� tr�s vezes.

    "Reconheci nele uma afei��o por formatos que s�o usados sempre, perduram, apesar do que o gosto circunstancial possa determinar. Borges nos deu f� no valor eterno de hist�rias singelas."

    O encontro terminou com a dupla exibindo seus predicados vocais, sob aplausos. Sj�n entoou versos da tradi��o folcl�rica islandesa sobre um corvo. Mussa arrematou com um samba-enredo composto por ele para o Salgueiro, mas derrotado na disputa interna na escola.

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