• Ilustrada

    Friday, 02-Aug-2024 06:52:16 -03

    Contra machismo na literatura, projeto estimula leitura de autoras

    RODOLFO VIANA
    DE S�O PAULO

    13/10/2015 14h33

    Juliana Leuenroth e Juliana Gomes se conheceram h� sete anos, quando trabalhavam na Livraria da Vila. Tempos depois, Leuenroth apresentou a Gomes uma amiga, Michelle Henriques, coautora do blog "As Bastardas". As tr�s tinham tr�s coisas em comum: gostavam de literatura, eram feministas e, em contraste a isso, suas bibliotecas pessoais tinham majoritariamente livros escritos por homens.

    A percep��o deste cen�rio foi o estopim para a cria��o do projeto Leia Mulheres, em mar�o deste ano. Trata-se de uma esp�cie de clube do livro que busca estimular a aprecia��o de textos liter�rios de escritoras.

    "Continuamos a ler homens, mas precisamos incentivar a produ��o, a publica��o e a divulga��o de livros escritos por mulheres tamb�m", diz Gomes. "Assim como tamb�m a forma��o de cr�ticas liter�rias, jornalistas culturais e curadoras de projetos sociais que utilizem a literatura como fio condutor do in�cio de uma mudan�a."

    Nesses sete meses de exist�ncia, o Leia Mulheres j� realizou sete encontros em S�o Paulo e outros seis no Rio de Janeiro. Em cada um, cerca de 20 pessoas —inclusive homens— se acomodam nos fundos de uma livraria e debatem os t�tulos lidos, que v�o de cl�ssicos como "Frankenstein", de Mary Shelley, a contempor�neos como "A Amiga Genial", de Elena Ferrante.

    Recentemente, o projeto come�ou a se expandir para outras pra�as. "Estamos em dez cidades e, at� o final do ano, devemos estar em mais cinco", afirma Gomes. Apenas em outubro ocorrem oito encontros nas cidades de S�o Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, Curitiba, Bras�lia, Recife, S�o Lu�s e Itapetininga. O calend�rio est� dispon�vel no site do projeto, em leiamulheres.com.br.

    Daniela Nunes
    Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques, idealizadoras do Leia Mulheres
    Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques, idealizadoras do Leia Mulheres

    FIM AO CLUBE DO BOLINHA LITER�RIO

    A inspira��o para o projeto foi a campanha #readwomen2014, idealizada pela escritora inglesa Joanna Walsh, que propunha a leitura de mais mulheres.

    "Escritoras s�o, a maior parte do tempo, julgadas pela sua apar�ncia, em vez de serem julgadas pela qualidade de sua escrita", disse a escritora no come�o da campanha, em entrevista � revista "L�ngua Portuguesa". "No Reino Unido, a historiadora cl�ssica Mary Beard foi chamada de 'feia demais para a televis�o', enquanto a vencedora do Booker Prize Eleanor Catton, 'apesar de nerd', � 'aceit�vel' porque � 'bonitinha'."

    Para Walsh, a diferen�a de g�nero influencia at� mesmo na produ��o de livros, que "muitas vezes, publicados com capas e t�tulos que fazem com que o establishment liter�rio n�o os tenha que levar a s�rio". "Aos escritores, em entrevistas, � perguntado o que pensam, enquanto �s mulheres � perguntado o que sentem."

    N�o � apenas na terra de Walsh que o sexo feminino tem menos espa�o. Nas mesas da edi��o deste ano da Flip - Festa Liter�ria Internacional de Paraty, o maior evento do g�nero no pa�s, passaram 43 personalidades, das quais 11 eram mulheres - 25,6%.

    "Este � um problema da �rea cultural em geral. Todo mundo que trabalha com cultura hoje em dia enfrenta esta quest�o da presen�a de mulheres - presen�a menor do que o desejado", diz Paulo Werneck, curador das �ltimas duas edi��es da Flip e recentemente confirmado como ocupar a vaga na edi��o de 2016. "Estamos aumentando a presen�a de mulheres progressivamente."

    De fato, a gest�o de Werneck trouxe mais mulheres � Flip. Nas duas �ltimas edi��es, o percentual de participa��o feminina na festa foi de 21,1%; nos tr�s anos anteriores, foi de 17,8%, em m�dia.

    "N�o est� no n�vel que a gente gostaria, mas h� um aumento", diz Werneck. "E estamos aumentando gradativamente."

    Este aumento pode indicar um futuro promissor. O presente, contudo, n�o � satisfat�rio. "Ainda existe preconceito [contra mulheres]", afirma Leuenroth. "Queremos igualdade de oportunidades e diversidade de olhares. Queremos evidenciar as diferen�as que existem entre homens e mulheres —diferen�as nas escolhas editoriais, em como os livros s�o trabalhados na editora e at� mesmo em como muitas mulheres t�m seus livros rejeitados para publica��o."

    Um dos exemplos mais significativos de machismo no meio liter�rio � o caso da escritora norte-americana Catherine Nichols. Em abril de 2015, cansada de ser rejeitada por agentes liter�rios, Nichols resolveu enviar o manuscrito de seu livro sob o pseud�nimo de George. Ao usar um nome masculino, conseguiu 8,5 vezes mais respostas positivas. "Meu romance n�o era o problema", disse Nichols, em artigo publicado no site Jezebel. "O problema era eu, Catherine."

    Para Nichols, o nome fez toda a diferen�a; para as idealizadoras do Leia Mulheres, n�o deveria fazer diferen�a alguma. No ano em que uma escritora ganhou o Nobel de Literatura —Svetlana Alexievich foi a 14� entre os 108 laureados desde 1901—, elas querem que o texto seja apreciado sem distin��o de g�nero.

    "Ficamos felizes quando uma mulher ganha um pr�mio como o Nobel ou o Jabuti", diz Gomes. "Mas o que queremos � que isso n�o seja motivo de comemora��o, que seja apenas pelo texto."

    Fale com a Reda��o - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024