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    Presos provis�rios somam 34% nas cadeias e custam R$ 6,4 bi por ano

    FERNANDA MENA
    DE S�O PAULO

    06/05/2017 02h00

    O ex-ministro Jos� Dirceu, que obteve liberdade provis�ria na �ltima ter�a-feira (2) mediante uso de tornozeleira eletr�nica, era apenas um dos mais de 221 mil presos provis�rios do pa�s, que custam aos cofres p�blicos quase R$ 6,4 bilh�es ao ano.

    Mantidos atr�s das grades antes de senten�a definitiva, os presos provis�rios representam ao menos um ter�o (34%) da massa carcer�ria brasileira, segundo levantamento de janeiro do CNJ (Conselho Nacional de Justi�a).

    Daniel Conzi - 26.jun.2013/Ag�ncia RBS
    S�O JOS�, SC, BRASIL, 26/06/2013. Uma situa��o considerada pelo Minist�rio P�blico como flagrante viola��o dos Direitos Humanos est� acontecendo, mais uma vez, na carceragem da 2� DP de S�o Jos�. Em uma cela interditada h� um ano pela Justi�a, sem luz, ar, �gua nem higiene, oito presos provis�rios est�o detidos h� dias. Um deles passou mal nesta quarta-feira e foi atendido pelo Samu. A cela foi interditada em julho de 2012, pelos mesmos motivos. (Foto: Daniel Conzi / Ag�ncia RBS) **RS e SC OUT** *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CR�DITOS OBRIGAT�RIOS ***
    Carceragem de SC com detentos provis�rios chegou a ser interditada em 2012

    No montante h� quem est� atr�s das grades sem nunca ter sido julgado, mas tamb�m uma minoria que, como Dirceu, foi condenada em primeiro grau e aguarda recurso na segunda inst�ncia. No �ltimo balan�o do Departamento Penitenci�rio do governo federal, de 2014, havia 250 mil presos sem condena��o em qualquer inst�ncia.

    Cada preso custa, em m�dia, R$ 2.400 por m�s aos cofres p�blicos �–valor superior ao piso salarial nacional dos professores (R$ 2.298,80) e semelhante ao custo anual de um aluno (cerca de R$ 2.700) no sistema p�blico de ensino. J� o custo mensal m�dio de manuten��o de uma tornozeleira eletr�nica � de R$ 300, diz o Minist�rio da Justi�a.

    De acordo com Rog�rio Nascimento, conselheiro do CNJ, a propor��o de presos provis�rios no pa�s est� pr�xima da m�dia da Am�rica Latina, de 40%, mas sua distribui��o no territ�rio nacional � extremamente desigual. H� Estados em que eles representam mais de 80% dos presos, como no Sergipe. Em outros, como no Distrito Federal, cerca de 20% do total.

    Dados do CNJ apontam que 29% dos presos provis�rios s�o acusados de tr�fico de drogas, 7% s�o suspeitos de furto e 4% de recepta��o. "S�o pessoas que n�o est�o respondendo por crimes que envolvem viol�ncia direta. Nem todas essas pris�es s�o desnecess�rias, mas boa parte delas provavelmente �", avalia Nascimento.

    Para ele, s�o os encarceramentos desnecess�rios e a longa dura��o dos processos que promoveram o atual n�mero de presos provis�rios, o que interfere diretamente nos dois maiores problemas do sistema carcer�rio: a superlota��o e a atua��o de fac��es criminosas, das quais os presos provis�rios se tornam uma massa de manobra.

    Presos provis�rios nos Estados - Em %

    O levantamento do conselho mostra que um preso provis�rio em Pernambuco aguarda, em m�dia, 974 dias pelo primeiro julgamento.

    Al�m da longa espera, pesquisa do Ipea apontou que 37% dos presos provis�rios s�o absolvidos dos crimes quando s�o julgados. "A pessoa s� deve cumprir pena quando h� senten�a. Antes disso, s� nos casos previstos no C�digo de Processo Penal", afirma a defensora p�blica Ma�ra Coraci Diniz, coordenadora da Divis�o de Apoio ao Preso Provis�rio.

    Ela se refere ao artigo 312 do c�digo que descreve as circunst�ncias em que a pris�o preventiva deve ser aplicada: "como garantia da ordem p�blica, da ordem econ�mica, por conveni�ncia da instru��o criminal [evitar a destrui��o de provas, por exemplo], ou para assegurar a aplica��o da lei penal [evitar uma fuga do pa�s, por exemplo]".

    "A garantia da ordem p�blica � um conceito muito vago, mas muito usado por promotores e ju�zes para manter pris�es preventivas, sem �nus argumentativo. Muitas vezes s�o pessoas que n�o precisavam estar presas", avalia F�bio S� e Silva, pesquisador do Ipea e ex-coordenador do Depen (departamento penitenci�rio do Minist�rio da Justi�a).

    Para ele, a "inconsist�ncia na aplica��o das leis d� sensa��o de seletividade ou conveni�ncia pol�tica das decis�es". "� um problema estrutural da nossa Justi�a."

    Tempo m�dio de pris�o provis�ria por Estado - Em dias

    EXCE��O

    Cristiano Maronna, do Instituto Brasileiro de Ci�ncias Criminais, afirma que a "Constitui��o deixa claro que a regra � a liberdade durante o processo, e a pris�o � a exce��o". "Mas os ju�zes subvertem essa l�gica e tornam a pris�o regra e a liberdade exce��o, em especial nos crimes de tr�fico e roubo."

    Para Diniz, "h� um entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal de que r�us prim�rios que praticaram crime de tr�fico, detidos com pouca quantidade de drogas e sem uso de viol�ncia, devem ter medidas cautelares aplicadas no lugar da pris�o preventiva". "Mesmo assim os ju�zes os mandam para a pris�o", afirma a defensora p�blica.

    Medidas cautelares s�o aquelas em que a pris�o preventiva � substitu�da por pris�o domiciliar, uso de tornozeleira eletr�nica ou outras restri��es de liberdade externas ao sistema penitenci�rio.

    O juiz Sergio Moro defende a necessidade de pris�es preventivas da Lava Jato, por crimes como corrup��o, por avaliar que s�o necess�rias at� para interromper a atividade criminosa. No caso de Dirceu, a soltura foi determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), por 3 votos a 2.

    Motivo das pris�es provis�rias no pa�s -

    JUDICI�RIO INIBE

    A amplia��o do uso de videoconfer�ncia nos processos judiciais, a estrutura��o de servi�os de monitoramento de presos que cumpram medida cautelar com tornozeleiras eletr�nicas e a nacionaliza��o das audi�ncias de cust�dia est�o entre as medidas que podem reduzir o montante de presos provis�rios no Brasil.

    Segundo levantamento de janeiro deste ano do CNJ (Conselho Nacional de Justi�a), h� mais de 221 mil presos provis�rios no pa�s, ou 34% do total de encarcerados.

    De acordo com o conselheiro do CNJ Rog�rio Nascimento, procurador regional da Rep�blica, h� uma s�rie de medidas poss�veis de enfrentamento da quest�o tanto no campo da pol�tica criminal como no da pol�tica judici�ria. No campo da pol�tica criminal, segundo Nascimento, h� a aplica��o "consistente e constante de medidas cautelares alternativas � pris�o".

    Marlene Bergamo - 6.jan.14/Folhapress
    S�O LU�S, MA, 06.01.2014: PRIS�O-MA - Grupo de detentos em cela de pres�dio do Complexo Penitenci�rio de Pedrinhas, em S�o Lu�s (MA). No local, houve rebeli�es e presos fizeram v�deo com detentos decapitados. (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)
    Imagem de detentos em cela do pres�dio de Pedrinhas, em S�o Lu�s (MA)

    Segundo a Constitui��o e o C�digo de Processo Penal, a pris�o deve ser a �ltima alternativa e s� deve ser aplicada quando nenhuma medida cautelar –como a tornozeleira eletr�nica, a pris�o domiciliar, a presta��o de servi�os comunit�rios, o pagamento de multas etc.– for poss�vel.

    "H� uma resist�ncia cultural no Judici�rio a essas medidas. Primeiro porque elas s�o dif�ceis de fiscalizar. Segundo porque d� mais trabalho e exige uma an�lise do caso concreto, quando em geral se usa uma reprova��o, em abstrato, do crime em quest�o", explica Nascimento.

    Para o conselheiro, a mudan�a cultural necess�ria no Judici�rio passa por mudan�a na lei de drogas, que "d� a impress�o de que o maior problema de seguran�a p�blica � o tr�fico quando, na verdade, � o homic�dio". O Brasil � recordista em n�meros absolutos de homic�dio, com quase de 60 mil mortes em 2015.

    Na pol�tica judici�ria, o conselheiro aponta quest�es estruturais e de gest�o. Entre as estruturais est�o a amplia��o do uso de videoconfer�ncias para acelerar o andamento dos processos, e o investimento em meios de monitoramento para que se possa usar com regularidade as tornozeleiras eletr�nicas.

    J� a gest�o, segundo o conselheiro, n�o pode ser reduzida a a��es pontuais como os mutir�es carcer�rios. "S�o respostas imediatas a press�es da opini�o p�blica que, no curto prazo, diminuem o n�mero de presos, mas no m�dio prazo esse n�mero se eleva novamente", avalia. Para ele, eficazes s�o medidas permanentes como as audi�ncias de cust�dia e a prioriza��o dos processos criminais com r�us presos.

    Tipos de pris�o preventiva

    Criadas em 2015, as audi�ncias de cust�dia permitem a avalia��o da legalidade, necessidade e adequa��o de pris�es em flagrante por ju�zes no prazo de 48 horas. O acusado � apresentado e entrevistado em sess�es nas quais s�o ouvidos tamb�m o Minist�rio P�blico e a Defensoria P�blica ou o advogado do preso. Em m�dia, 50% dos presos em flagrante s�o liberados, com ou sem medidas cautelares impostas, para responder ao processo em liberdade.

    Para o professor de processo penal da USP Maur�cio Zanoide de Moraes, "quanto mais encarcerarmos gente que n�o precisa ser encarcerada, mais m�o de obra oferecemos para a criminalidade organizada que controla pres�dios".

    Moraes aponta para o C�digo de Processo Penal, de 1941, como outra fonte de problemas. "Ele est� totalmente anacr�nico. Os desapercebidos precisam que o sistema de Justi�a Criminal funcione, porque eles n�o conseguem ter assist�ncia jur�dica digna para garantir seus direitos frente a uma lei dessas."

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