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    Rio, 500 anos: De bunda de fora e chinel�o de dedo

    JO�O EMANUEL CARNEIRO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    01/03/2015 02h00

    A convite da Folha, quatro autores cariocas de diferentes estilos imaginam como ser� a cidade em outro anivers�rio, daqui a 50 anos.

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    Carnaval. Bangu registra a m�xima do dia: 62 graus cent�grados. Alala�������. Ai que cal�������. Fora o h�bito de alguns cidad�os que passaram a usar roupas de astronauta climatizadas com ar condicionado e os cal�ad�es em que se aplicaram esteiras rolantes, a paisagem f�sica e humana n�o � muito diferente de 2015.

    O carioca continua irreverente, revoltado, despudorado e sensual, de bunda de fora e chinel�o de dedo, chutando o pau da barraca e mandando tomar naquele lugar (dif�cil fazer uma cr�nica sobre o Rio sem palavr�o), avesso a qualquer tipo de ordem institu�da, hierarquia e formalidade, reclamando da pens�o do servidor, reclamando do governo, reclamando do patr�o, reclamando da sogra, furando o sinal, disposto apenas a sair do ap� se for pra dar um rol� num show gratuito na praia onde ele s� precisa desembolsar R$5 por uma cervejinha morna que outra carioca de bunda de fora e chinel�o de dedo trouxe do sub�rbio no isopor.

    Manteve-se ao longo da primeira metade do s�culo 21 a tend�ncia de sempre de cometer atrocidades arquitet�nicas em meio ao esplendor da natureza. Em 2038 aterrou-se a Lagoa Rodrigo de Freitas, que deu lugar a um imenso estacionamento e um megashopping na forma de pir�mide que, apesar da sua localiza��o privilegiada, curiosamente n�o possui internamente nenhuma vista da soberba paisagem em torno.

    Pol�mica tamb�m foi a constru��o da torre de vidro espelhado azul-calcinha que espetaram no topo do P�o de A��car em 2041, desfigurando definitivamente a mundialmente famosa montanha do nosso cart�o postal. A ideia � que Deus j� fez o seu trabalho por n�s, ningu�m t� podendo mesmo pensar em arquitetura mesmo e fo... (mais uma vez, dif�cil a cr�nica sem palavr�o, sobretudo esse, pedra fundamental de todo o modo de pensar e agir do carioca).

    Apesar de seus vividos 500 anos, de ter recebido d. Jo�o 6�, de ter sido capital do pa�s por tanto tempo, apesar de Machado, Villa-Lobos, Tom Jobim, Nelson Rodrigues e do sandu�che do Cervantes, o Rio n�o soube envelhecer com sabedoria.

    Cega, a cidade deu as costas a um modelo urban�stico de extraordin�rio sucesso que � Copacabana, bairro que consagra a vida de cal�ada, a arte do encontro e a mistura de todas as classes sociais, voca��o e quintess�ncia da cidade, e lan�ou-se rumo �s �ridas autoestradas da Barra da Tijuca.

    A "cal�ada cheia de gente a passar e a me ver passar" de Antonio Maria transformou-se num intermin�vel engarrafamento onde os outrora pedestres agora est�o encapsulados e isolados em carros e �nibus, dedilhando freneticamente nos seus smartphones, tentando se comunicar atrav�s da web.

    O Carnaval de rua ainda floresce, viral. O bloco Bangalafumenga atualmente atravessa um megaviaduto de 18 faixas de BRT na avenida das Am�ricas. "Mam�e eu quero, mam�e eu quero. Olha a cabeleira do Zez�, ser� que ele �? Ser� que ele �?"

    O prefeito garante que o teletransporte, que estava prometido para as Olimp�adas de 2062 e j� � o meio de locomo��o mais utilizado em todas as grandes capitais do planeta, estar� acess�vel � popula��o em 2071. Duvido muito. Alala�������

    JO�O EMANUEL CARNEIRO, 45, � roteirista e autor de telenovelas, como "Avenida Brasil" (2012).

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