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    Reinaldo Jos� Lopes

    Mitoc�ndria � bact�ria? Descoberta lan�a d�vida sobre sua origem

    04/06/2017 02h00

    Science Photo Library
    Mitoc�ndrias observadas por meio de microscopia eletr�nica e coloridas digitalmente em rosa
    Mitoc�ndrias observadas por meio de microscopia eletr�nica e coloridas digitalmente em rosa

    Convido-o, insigne leitor, a meditar um momentinho acerca dos mist�rios insofism�veis da mitoc�ndria. (Melhor do que perder o sono de madrugada pensando no sentido da vida e na inevitabilidade da morte, vai.)

    C�pias e mais c�pias dessa Itaipu microsc�pica nos acompanham desde o momento em que o �vulo materno � fecundado pelo espermatozoide paterno (grife o termo "�vulo" na sua cabe�a: � praticamente certo que as mitoc�ndrias que carregamos em nossas c�lulas neste momento nos tenham sido legadas pela c�lula da mam�e).

    S�o essas organelas celulares que nos permitem usar o oxig�nio do ar para gerar a energia indispens�vel ao funcionamento do organismo, da� a analogia com Itaipu –mitoc�ndrias s�o, por assim dizer, "quimioel�tricas" celulares.

    Uma s�rie de ind�cios intrigantes d�o peso � ideia de que as mitoc�ndrias s�o estranhas no ninho: originalmente, teriam sido bact�rias de vida independente que as c�lulas de nossos ancestrais "engoliram", desencadeando uma parceria �ntima entre dois seres muito distintos os quais, na plenitude do tempo, viraram um s�. � uma bela hist�ria –mas um trio de pesquisadores brasileiros acaba de mostrar que ela � mais complicada do que imagin�vamos.

    Nossos arque�logos mitocondriais s�o Roberto Herai, Priscilla Negraes e Alysson Muotri, da Universidade da Calif�rnia em San Diego (Herai tamb�m � ligado � Pontif�cia Universidade Cat�lica do Paran�). Em artigo na revista cient�fica "Human Molecular Genetics", eles mostraram que as mitoc�ndrias humanas se valem de um processo complexo de "edi��o" de seus genes ativados que n�o existe em bact�rias, o que poderia lan�ar d�vidas sobre a origem bacteriana dessas entidades.

    Ocorre que, no DNA do n�cleo das c�lulas de organismos complexos como n�s, os chamados genes costumam ser compostos por duas partes principais. Temos os �xons, que s�o os que efetivamente carregam a tal receita de prote�na, e os �ntrons, enfiados entre um �xon e outro.

    Quando um gene humano � "ligado", um maquin�rio espec�fico da c�lula o transcreve na forma de RNA, a mol�cula-irm� do DNA. Esse RNA inicial � ent�o picotado e montado: os �ntrons caem fora, enquanto os �xons se juntam num pacote s� e v�o, enfim, servir de manual de instru��es para a produ��o de uma prote�na. D� para montar os tais �xons de diferentes maneiras, o que � bem �til –voc� consegue obter m�ltiplas prote�nas a partir de um �nico gene, produzindo variantes distintas em c�lulas com fun��o diferente, por exemplo.

    Como lembram muito bact�rias –com seu tamanhinho, formato e DNA pr�prio organizado num c�rculo–, as mitoc�ndrias n�o deveriam ter acesso a essas funcionalidades avan�adas da c�lula. O trio de brasileiros, por�m, ao estudar diferentes tipos de c�lulas humanas, descobriu que o DNA das mitoc�ndrias tem os tais �ntrons –e, ali�s, o RNA derivado da organela pode ser montado de diversas maneiras, a depender do tipo de c�lula onde se encontra.

    Isso acontece porque o maquin�rio de edi��o de RNA da c�lula � capaz de adentrar a mitoc�ndria e l� fazer das suas. Pode ser que isso ainda n�o seja suficiente para derrubar a tese "mitoc�ndrias s�o bact�rias", mas mostra como a intera��o entre elas e o resto da c�lula vai al�m da suposta domina��o do "primitivo" pelo "avan�ado".

    Reinaldo José Lopes

    � jornalista de ci�ncia com gradua��o, mestrado e doutorado pela USP. � autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mist�rios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

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