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    M�nica Bergamo

    'Fui depreciado por n�o me enquadrar no padr�o de beleza', diz Osmar Prado

    02/07/2015 02h00

    O elenco do musical "BarbarIdade" est� reunido em c�rculo nos bastidores do Teatro S�rgio Cardoso a 15 minutos do in�cio da apresenta��o. Eles discutem pequenos ajustes na pe�a, que estreou em SP um dia antes. "N�o d� pra tirar aquela porta do cen�rio?", pergunta Osmar Prado, 67, um dos protagonistas.

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    Ap�s ouvir uma negativa, o ator sorri e responde. "Que pena, mas tudo bem", e faz um sinal de positivo com o polegar. A postura tranquila, diz ele, tem muito a ver com a maturidade, tema do espet�culo que encena.

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    "Tenho temperamento forte. Talvez seja uma das coisas que tenha atravancado um pouco certas trajet�rias. J� briguei muito, apesar do meu tamanho, mas sempre brigas leais. Nunca desleal. J� bati e j� apanhei, mas � assim mesmo. Hoje eu acho que estou na idade em que j� d� pra segurar", diz � rep�rter Marcela Paes.

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    Enquanto "BarbarIdade", concebido por Zuenir Ventura, Luis Fernando Verissimo e Ziraldo, retrata a terceira idade com olhos otimistas, Osmar acha que a situa��o do idoso na sociedade �, de modo geral, ruim.

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    "Somos vistos como entulho. Como se cheg�ssemos a determinada idade e n�o serv�ssemos para mais nada. � a base do sistema capitalista, que � excludente e ganancioso. Luto radicalmente contra essa falta de respeito. Me recuso a ser considerado um imprest�vel." Afirma n�o se sentir velho, apesar de j� utilizar prerrogativas da idade, como fila preferencial no banco.

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    O grupo agora debate uma troca de palavras no texto. Ap�s uma temporada no Rio, eles questionam se determinadas express�es seriam entendidas pelo p�blico paulistano. Um dos exemplos � qual seria a g�ria mais usual para o �rg�o sexual masculino. No Rio, optaram por usar "piroca", mas discutiam se "rola" soaria mais compreens�vel aos ouvidos paulistanos.

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    Enquanto alguns atores d�o opini�o, Osmar est� concentrado na mudan�a em uma das can��es que apresenta, a americana "Moon River". "Vou cantar junto com a atriz. Acho que vai ficar mais f�cil, mas preciso passar isso com ela rapidamente", explica o ator, que afirma n�o falar nem ter muito apre�o pela l�ngua inglesa.

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    "Minha filha me ensina. Eu treinei a pron�ncia das m�sicas com ela. Quando vou estudar mesmo, prefiro franc�s", diz, para logo depois come�ar, empolgado, uma conversa na l�ngua com a rep�rter -que avisa, inutilmente, n�o dominar o idioma.

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    A anima��o com que fala de seus aprendizados � a mesma com que discorre sobre pol�tica, sua fam�lia e seu trabalho. Participante de um grupo de defesa dos direitos humanos, ele � totalmente contra a redu��o da maioridade penal. "� absurdo o que esse Eduardo Cunha [presidente da C�mara do Deputados] est� fazendo. � direcionado para atingir uma parcela espec�fica da popula��o: jovens negros e pobres."

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    O ator chegou a fazer campanha para a presidente Dilma Rousseff na �poca da reelei��o. "Dei meu apoio com restri��o � reelei��o. Fui convidado na �poca para um encontro num teatro e n�o fiquei no palco, fiquei na plateia, porque meu estado de apoio � um estado cr�tico. Apoiei por achar que, para o pa�s, era menos ruim a reelei��o da Dilma do que a elei��o do A�cio Neves."

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    Hoje, acha importante se manter ao lado do governo no que concerne � campanha pr�-impeachment –que considera uma tentativa de golpe–, mas faz ressalvas a algumas atitudes da petista.

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    "V�rias coisas precisam ser discutidas e n�o foram. A proibi��o do aborto de forma a encarcerar a pessoa que comete o 'crime' ajuda a coibir ou a proliferar as cl�nicas clandestinas que levam muitas vezes � morte? � preciso governar e raciocinar com intelig�ncia", diz.

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    O tom muda quando fala do reconhecimento de sua trajet�ria no trabalho, que iniciou aos dez anos de idade. Conta, emocionado, sobre o recente contato da m�e de um menino autista que viu uma entrevista sua, em que ele falava sobre o personagem Ti�o Galinha, da novela "Renascer" (1993), de Benedito Ruy Barbosa.

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    "S�vio � o nome do garoto que quer me conhecer. Quando um menino autista se emociona com aquilo que voc� falou, quer dizer que valeu a pena o que voc� disse."

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    Contratado da Globo, ele afirma ter superado a maioria dos problemas que teve no passado com a emissora.

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    "Uma pessoa de personalidade forte que fala o que pensa cria muitos inimigos. Mais inimigos do que amigos. Isso criou uma certa dificuldade nesse sistema. Mas como eu, por outro lado, era bem-visto pelo que eu apresentava no meu trabalho, acabei garantindo que as pessoas dissessem: 'Porra, o Osmar � um touro bravo, mas deixa ele. Ignora e vamos bot�-lo pra trabalhar'."

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    O g�nio forte a que ele se refere tem a ver com ocasi�es como a que se recusou a usar sapatos com salto para que ficasse mais alto que a atriz com quem contracenava. Al�m de n�o topar a proposta, foi com um par ainda mais baixo. "Se n�s f�ssemos notados por essa idiotice era sinal de que o trabalho estava uma porcaria."

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    Conta que durante a carreira enfrentou problemas por conta da apar�ncia. "Muitas vezes fui depreciado porque n�o me enquadrava no padr�o de beleza do sistema. N�o era muito alto e nem tinha um grande topete." A resposta dada por ele era, quase sempre, "um grande trabalho".

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    No per�odo em que teve um c�ncer na garganta, em 2013, o ator voltou a atuar apenas uma semana depois de uma bateria de sess�es de quimio e radioterapia e cerca de um m�s depois da segunda cirurgia.

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    "Fiz as cenas de est�dio com 53 kg. Meu peso agora � 60 kg. As externas eu comecei com gaze na garganta." Totalmente recuperado, ele cogitou n�o fazer a cirurgia caso houvesse algum risco de que sua voz fosse prejudicada.

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    "O m�dico Gustavo Rangel olhou no meu olho e garantiu que isso n�o ia acontecer. E de fato ele cumpriu a palavra."

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    Segundo Osmar, os pap�is na s�rie "Amores Roubados" e, logo depois, na novela "Meu Pedacinho de Ch�o" foram fundamentais em sua recupera��o. "O trabalho e as personagens me deram for�a para continuar. Foram muito importantes. 'Amores Roubados' mesmo est� bombando agora no exterior. E 'Meu Pedacinho de Ch�o' teve sucesso art�stico."

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    Acha que a centena de personagens que j� viveu lhe trouxeram "respeito de v�rios segmentos da sociedade" e conforto financeiro suficiente para poder viajar e ajudar as tr�s filhas.

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    "Essa sensa��o de respeito n�o � de me achar melhor. � fazer parte do todo. Sou uma pe�a nessa engrenagem. Com destaque? Sim. Mas jogando com os outros."

    mônica bergamo

    Jornalista, assina coluna com informa��es sobre diversas �reas, entre elas, pol�tica, moda e coluna social. Est� na Folha desde abril de 1999. Escreve diariamente.

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