Neurologista e escritor Oliver Sacks morre de c�ncer aos 82 anos
Moacyr Lopes Junior/Folhapress | ||
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O neurologista brit�nico Oliver Sacks em palestra em S�o Paulo |
A primeira aventura da vida de Oliver Wolf Sacks parecia, a princ�pio, algo sa�do de "As Cr�nicas de N�rnia".
Para escapar dos ataques a�reos nazistas a Londres na Segunda Guerra Mundial, ele e seu irm�o Michael, ainda crian�as, foram mandados para o interior da Inglaterra, tal como os personagens do cl�ssico infantil.
Os irm�os n�o tiveram a sorte de descobrir um mundo m�gico, como as crian�as do livro –do tempo de refugiados, ficou a mem�ria da dieta desagrad�vel (br�colis e beterraba) e das surras no col�gio interno que os abrigara.
Mas Sacks acabaria dominando � perfei��o a arte de descrever universo t�o inusitado quanto o dos faunos e centauros de N�rnia: o mundo interno das pessoas cujo funcionamento cerebral, por algum motivo, est� fora dos padr�es normais.
Os t�tulos dos livros de Sacks d�o uma pista dessa mir�ade de universos paralelos produzidos pelo c�rebro: "O Homem que Confundiu Sua Mulher com um Chap�u" (refer�ncia � agnosia visual, uma incapacidade de reconhecer objetos com precis�o), "Um Antrop�logo em Marte" (sobre como os autistas n�o conseguem decifrar rela��es sociais) ou o autoexplicativo "Alucina��es Musicais". O pr�prio Sacks sofria de prosopagnosia, uma dificuldade cr�nica de reconhecer rostos.
Nos livros de Sacks, os problemas neurol�gicos nunca s�o tratados como mera esquisitice. O narrador adota ponto de vista imersivo, mimetizando em detalhes a perspectiva �nica dos personagens –em geral, pacientes que Sacks conhecera ao longo de meio s�culo de experi�ncia como neurologista.
Ele morreu em Nova York no domingo (30), aos 82 anos, em casa, devido a um c�ncer . Trabalhou at� os �ltimos dias, segundo sua equipe. Dois artigos seus devem ser publicados nesta semana.
Sahm Doherty - 1.jun.86/The LIFE Images Collection/Getty Images | ||
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Oliver Sacks em frente � casa onde passou sua inf�ncia, na Inglaterra |
LONDRES A NOVA YORK
Nascido em 1933 numa fam�lia de judeus brit�nicos, filho de m�dicos e o mais novo de quatro irm�os, Sacks flertou com a qu�mica antes de seguir a paix�o familiar por medicina.
Estudou na Universidade de Oxford. Depois de formado, passou pelo Canad� e pela Calif�rnia antes de se fixar em Nova York, em 1965. Nunca mais deixou os EUA, embora seu sotaque brit�nico tenha permanecido inalterado.
O m�dico passou a atuar no hospital Beth Abraham e a dar aulas na Faculdade de Medicina Albert Einstein (tamb�m seria professor e "artista residente" na Universidade Columbia, cargo criado especialmente para ele).
Foi no Beth Abraham que Sacks teve contato com pacientes que sofriam de encefalite let�rgica, doen�a de causas ainda misteriosas que, em casos extremos, transformava os doentes em "belas adormecidas", que mal conseguiam ficar despertos.
O neurologista foi um dos primeiros a tratar esses pacientes com medicamento L-Dopa, experi�ncia relatada no livro "Tempo de Despertar", adaptado para o cinema (com Robert De Niro e Robin Williams no elenco).
Em entrevista � Folha, em 2010, Sacks contou que deixava o contato natural com pacientes inspirar seus livros. "Depende de quem me contata, do que acontece no meu cotidiano. Acidentes desempenham papel muito grande no cotidiano do m�dico. As coisas n�o s�o nem de longe t�o sistem�ticas quanto o dia a dia de um cientista".
Apesar do prest�gio crescente dos livros, preferia adotar atitude de mod�stia. "N�o penso em mim como homem de letras. O que tento � dizer as coisas com a maior clareza e naturalidade poss�veis."
CELIBATO
Paradoxalmente, o m�dico cheio de empatia, cujos textos eram capazes de fazer com que qualquer um se sentisse na pele de seus pacientes, era inepto quando tinha de se relacionar com as pessoas fora do consult�rio.
Costumava se descrever como celibat�rio contumaz, um sujeito para quem a timidez chegava a ser uma doen�a. Nunca se casou, e s� no seu �ltimo livro, a autobiografia "Sempre em Movimento", tratou da rejei��o familiar que enfrentou por ser homossexual.
Ao que parece, era no ato de escrever que o neurologista conseguia quebrar esse campo de for�a invis�vel que havia entre ele e o mundo.
Foi num ensaio para o "New York Times" que Sacks exp�s seu diagn�stico de c�ncer terminal –met�stases que tinham tomado um ter�o de seu f�gado, nove anos depois do tumor que o deixara cego de um olho- e o significado de encarar a morte de frente, com o m�ximo de lucidez.
Uma das primeiras atitudes depois da "senten�a de morte" m�dica foi reler a autobiografia do fil�sofo brit�nico David Hume (1711-1776), esp�cie de "pr�ncipe dos c�ticos" do Iluminismo.
Quando o m�dico compara a pr�pria trajet�ria com a de Hume, por�m, o que predomina nos par�grafos n�o � ceticismo, mas serenidade e senso de transcend�ncia que algu�m poderia classificar como quase religioso, se n�o estivesse saindo da pena de autoproclamado "velho judeu ateu".
"N�o posso fingir que n�o esteja sentindo medo", escreveu Sacks. "Mas meu sentimento predominante � o de gratid�o. Amei e fui amado; muito me foi dado, e em troca tamb�m dei muito. Acima de tudo, fui ser autoconsciente, um animal pensante neste planeta lindo, e isso, por si s�, foi um enorme privil�gio."
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